São Paulo, terça-feira, 21 de outubro de 1997
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Juros recordes no Brasil

CELSO PINTO

A taxa de juro real, ou seja, o juro cobrado acima da inflação, mais do que dobrou do segundo para o terceiro trimestre. Os juros reais brasileiros, neste ano, estão num nível três vezes maior do que os dos principais países latino-americanos e pelo menos cinco vezes maiores do que os dos países desenvolvidos.
O presidente do BC, Gustavo Franco, e o ministro da Fazenda, Pedro Malan, costumam repetir que a culpa dos juros altos é do déficit fiscal do governo. É um argumento curioso: todos os resultados fiscais melhoraram, até agora, neste ano, e, mesmo assim, os juros reais não caíram. Todos os indicadores de déficit público (nominal, operacional e primário) atingiram os níveis mais baixos desde 95, enquanto o estoque da dívida caiu para valores de 96. A razão para a subida dos juros é outra. O principal motivo do salto nos juros reais foi a decisão de acelerar as desvalorizações cambiais, uma resposta ao nervosismo do mercado com o déficit externo brasileiro. A maior desvalorização reduziria a remuneração das aplicações em dólares no Brasil, a menos que a perda fosse compensada por uma elevação dos juros.
Assim como o juro real interno é o que sobra depois de desconta da a inflação, para o investidor externo, ele é o que sobra depois de descontada a desvalorização. Se a desvalorização corre mais rápido do que a inflação, para manter o mesmo rendimento é preciso que haja um aumento no juro real interno. Foi o que o BC fez. O problema é que o que leva o investidor ex terno a aplicar (ou manter aplicações) aqui não é o que ele de fato ganhou no passado, mas o que ele projeta ganhar no futuro. E essa previsão foi alterada para baixo pelo nervosismo do mercado nos últimos meses. Muita gente comprou posições no mercado futuro, pressionou as cotações do dólar, e a projeção de desvalorização subiu. Em outros termos, o que o investidor externo realmente tem ganho no Brasil, mesmo com a aceleração cambial, tem sido de 3% a 4% ao ano mais do que ele acha que ganhará projetando as desvalorizações embutidas nas bolsas de futuros. Para o BC manter o interesse das aplicações externas, portanto, tem que elevar os juros para compensar não só a real aceleração no câmbio, mas também a desvalorização extra que o mercado acha que fará no futuro (mesmo que o mercado esteja errado).
Por essa razão, apesar do enorme aumento nos juros reais internos, a projeção de rendimento futuro em dólares (o cupom cambial) tem caído. Ou seja, os juros internos estão na lua, mas para o investidor externo não parecem tão extraordinários.
Considerando a taxa básica de juros (Selic) e usando o índice de inflação da Fipe como deflator, os juros reais acumulados no primeiro trimestre foram de 3,6%, equivalentes a 15,3% ao ano. No segundo trimestre eles caíram para 2,2% ou 9,3% ao ano, mas, no terceiro trimestre, saltaram para 5,4% ou 23,5% ao ano. Em todo o ano passado, a taxa real de juros ficou em 15,8%. Neste ano, considerando o que já aconteceu e projetando o que deverá acontecer, tudo indica que a taxa real acabará muito próxima à do ano passado. Todos previam que os juros reais continuariam a cair neste ano e no próximo. Hoje, isso se tornou duvidoso, inclusive para 98. Juros reais altos têm um efeito deletério sobre a economia e sobre as contas fiscais. Para ter uma idéia do que significam juros reais acima de 15% ao ano, basta olhar os dados do "Global Economics", publicado pelo banco ING Barings. Usando os juros de curto prazo (3 meses) e comparando com os índices de inflação, os juros reais na Argentina estão em 6%, no México em 4,8%, na Colômbia em 5%, no Peru em 6,7% e no Chile em apenas 1%. Nos países desenvolvidos eles são ainda menores. Nos EUA os juros reais são de 3,2%, no Japão são negativos, na Alemanha são de 1,4%, na França 2%, no Reino Unido 3,9%, na Itália 4,7%, no Canadá 1,3% e na Holanda 1%. Políticas de juros altíssimos são justificáveis em programas de estabilização por períodos curtos. No Brasil, ela já dura três anos e não há sinais de que vá, ou de que possa, mudar.

E-mail: CellPinto@uol.com.br

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