São Paulo, terça-feira, 21 de outubro de 1997
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Xerife na cadeia?

LUÍS PAULO ROSENBERG

Há algo surrealista na decisão do juiz que condenou simultaneamente Naji Nahas e Eduardo Rocha Azevedo a 24 e 8 anos de cadeia, respectivamente, como fecho do processo decorrente da quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, em 1989.
Ainda que os detalhes dos acontecimentos de então envolvam tecnicalidades complexas, a essência do ocorrido é simples: naquela época, as Bolsas de São Paulo e do Rio de Janeiro ainda disputavam o primeiro lugar em volume de operações. Substituindo a cautela pela agressividade, a Bolsa carioca acolheu um mecanismo para atrair grandes especuladores para o seu pregão, admitindo que eles obtivessem financiamentos sobre ações transacionadas no mesmo dia, desrespeitando a prática usual de mercado de só reconhecer uma operação após sua liquidação, cinco dias após.
O instrumento de financiamento assim criado tornou abundantes os recursos disponíveis para quem quisesse forçar uma alta. Na verdade, foi criada uma corrente da felicidade, onde grandes instituições financeiras emprestavam a Naji a taxas de juros polpudas, sem se preocupar com a concentração de risco de seus empréstimos em um único cliente, pois Naji usava os empréstimos para elevar ainda mais a cotação das ações, gerando riqueza para todos.
O presidente da Bolsa de São Paulo de então -Eduardo Rocha Azevedo-, percebendo que mais uma vez a ganância levava os investidores a acreditar no motoperpétuo da criação de valor, denunciou a maracutaia, com o respaldo da lógica e do colegiado da Bolsa paulista.
Desfeita a confiança no esquema, cada emprestador procurou forçar Naji a pagar o que lhe devia. Como todos agiram simultaneamente, o alavancado Naji ficou dependurado na broxa, impossibilitado de honrar com seu patrimônio o gigantesco volume de crédito que havia obtido.
Em consequência, grandes bancos e corretoras que operavam no Rio sofreram perdas intoleráveis também para eles, que tampouco honraram as correspondentes operações de compra e venda de ações.
Como a Bolsa do Rio não tinha recursos para bancar as perdas, reconheceu publicamente que estava inadimplente, quase foi varrida do mapa e somente agora, após anos de um trabalho sério de recuperação de imagem, volta a ter credibilidade, sem chegar, entretanto, a fazer sombra à pujança da Bolsa paulista.
Vamos às conclusões:
1. Naji ficou inadimplente praticando um tipo de operação temerária, mas que era legítima e reconhecida pela Bolsa do Rio. Não aplicou um golpe nas "velhinhas de Taubaté", mas deixou de pagar financiamentos recebidos de algumas das mais escoladas instituições do mercado, que deveriam saber onde estavam amarrando suas mulas.
2. Vistos desse ângulo, os atos de Naji parecem não comportar uma punição tão rigorosa: que país é este que quer atrás das grades quem emitiu cheques sem fundos para raposas felpudas do mercado financeiro e desonera quatro delinquentes de Brasília que mataram um índio friamente, ateando-lhe fogo às vestes?
3. Qualquer que seja a avaliação da gravidade da falta de Naji, como punir no mesmo processo o responsável por denunciar o esquema de que se valia o grande investidor? Rocha Azevedo, com sua ação, pôs a nu o absurdo que se praticava, cumprindo brilhantemente com sua missão de guardião da honorabilidade da Bolsa paulista, que por isso sobreviveu ao temporal da época.
Condenar Rocha Azevedo seria um contra-senso equivalente a colocar na mesma cela o criminoso e o xerife que lhe deu voz de prisão. Uma injustiça que as alçadas superiores da Justiça federal certamente corrigirão.

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