São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 1997 |
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Projeto é inibidor, mal redigido e corporativo
LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº
A proibição da prova da verdade contra determinadas autoridades, circunstância que cerceava o direito de defesa dos acusados, e a disposição extrema do Palácio do Planalto de fazer valer a ameaça de pena de prisão contra profissionais que se limitaram a criticar o governo e a informar o leitor lembraram à sociedade brasileira que a Lei de Imprensa de 1967, herança do regime militar, era incompatível com o regime democrático. Mas, com o tempo, as intenções se revelaram. Apesar de expurgar os desvios autoritários da lei vigente, os textos que tramitaram pelo Congresso Nacional, até que se chegasse ao substitutivo do deputado Vilmar Rocha, agasalharam o sentimento de que os meios de comunicação são potencialmente perniciosos e devem ser contidos pelo poder público. No lugar da ideologia da segurança nacional surge um ideário politicamente "correto", mal concebido e estúpido. O projeto estabelece, por exemplo, que é "dever" dos meios de comunicação "não fazer referências discriminatórias sobre raça, religião, sexo, preferências sexuais, doenças mentais, convicções políticas e condição social", o que conspira contra o direito de opinião. A proposta decreta o fim da pena de prisão para os crimes de imprensa (uma providência que deveria ser adotada para qualquer delito sem maior gravidade), mas, em compensação, instala a perspectiva de indenizações milionárias: não fixa parâmetros concretos para a reparação do dano moral. Dá aos juízes o poder de inviabilizar financeiramente uma empresa jornalística, sobretudo as pequenas. Estimula a autocensura. Incrementa a indústria das indenizações. Transforma a ofensa em meio de enriquecimento. A possibilidade de apreensão de jornais e suspensão de transmissões de rádio e TV sai das mãos arbitrárias do ministro da Justiça, tal como está na lei atual, e é entregue ao livre-arbítrio dos juízes, "nos casos previstos em leis especiais". O relator sustenta que o dispositivo é "neutro"... A ofensa à moral e aos bons costumes deixa de ser crime, mas, em defesa de um valor constitucional inestimável, surge o crime de violação da intimidade e da vida privada. Abre-se espaço para a punição criminal pela prática de uma conduta também definida de maneira vaga e imprecisa. Quando trata do direito de resposta, o texto não resolve os problemas da lei vigente. Fixa critérios burocráticos e prazos que não serão cumpridos pela própria Justiça, além de ser tecnicamente confuso. Há, evidentemente, aspectos positivos. Exclui, por exemplo, a responsabilidade civil da empresa jornalística em caso de matéria paga, artigo assinado ou entrevista de pessoa idônea, que não mantém "vínculo de subordinação" com o veículo de comunicação. Parte da jurisprudência considera hoje, num autêntico estímulo à irresponsabilidade, que o dever de indenizar é sempre da empresa, ainda que o ofensor seja ministro de Estado ou professor universitário. Um dos maiores desafios da atualidade é a busca do equilíbrio entre a livre circulação das idéias e da informação jornalística e a garantia eficaz dos direitos da personalidade, sobretudo diante do incrível desenvolvimento dos meios de comunicação neste final de século. O projeto é inibidor, pobre, mal redigido, repleto de disposições inúteis e desvios corporativos. Se for aprovado, sua duração será certamente efêmera. É um melancólico desperdício de oportunidade, mais uma demonstração de que no Brasil o processo legislativo está voltado para o passado, e não para o futuro. Texto Anterior: Teto para indenização é polêmico Índice |
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