São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 1997
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Desequilíbrio externo continua em alta

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Os dados mais recentes do balanço de pagamentos confirmaram, mais uma vez, o que até os mais ferozes adversários do óbvio já não mais se atrevem a negar: a crescente vulnerabilidade externa da economia brasileira.
O déficit da balança comercial acumulado até setembro quase quadruplicou em relação a igual período de 96, com as importações crescendo a uma taxa duas vezes maior do que as exportações. Também houve deterioração nas contas de serviços (que inclui juros, lucros, viagens internacionais, transporte etc.) e nas transferências unilaterais (remessas de imigrantes e outras).
Em consequência, o déficit em conta corrente, medido em 12 meses, bateu novo recorde, passando de US$ 17,3 bilhões em setembro de 96 para US$ 33,3 bilhões em setembro de 97. Como proporção das reservas internacionais (no conceito de caixa), o déficit aumentou de 30% para 54% nesse período. Relativamente às exportações de mercadorias, o déficit pulou de 36% para 65%.
Para ter idéia do que significam esses indicadores, note-se que, em porcentagem das exportações, o desequilíbrio em conta corrente já supera os níveis observados na fase final do último ciclo de endividamento externo. Entre 78 e 82, nos anos anteriores à crise da dívida dos anos 80, o déficit corrente representava, em média, 62% das exportações brasileiras.
A comparação com países que sucumbiram a ataques especulativos nos últimos anos também não nos é favorável. No ano calendário anterior ao colapso cambial, a Tailândia, por exemplo, apresentava déficit em conta corrente igual a 27% das exportações. O das Filipinas representava 24% em 96. O da República Tcheca, 21%.
Só o do México, que alcançava 78% das exportações em 93, ultrapassa o percentual registrado agora pelo Brasil.
Não se deve perder de vista, além disso, que a deterioração das contas externas seria ainda maior se a economia brasileira não estivesse crescendo muito abaixo do seu potencial e do que seria necessário para permitir a diminuição do desemprego e do subemprego. As taxas medíocres de expansão do nível de atividade impedem o déficit externo de entrar em órbita, mas à custa de taxas recordes de desemprego em certos setores da economia e em regiões importantes do país.
A esta altura, o próprio governo desistiu de tentar tapar o sol com a peneira e já reconhece a gravidade, ou pelo menos a existência, do problema. (Até um certo alto funcionário do Banco Central parece ter desistido de dizer asneiras sobre o assunto). Foi-se o tempo em que o desequilíbrio das contas externas era preocupação de alguns poucos economistas, estigmatizados pelo governo e por boa parte da mídia como "politicamente motivados".
Hoje, débeis mentais de babar na gravata enchem a boca para discorrer sobre "o problema do déficit em transações correntes" (naturalmente, sem saber muito bem do que estão falando). O governo começou, inclusive, a tomar providências para tentar ajustar o balanço de pagamentos.
Despertar tardio e ainda hesitante, mas despertar ainda assim. O governo está tentando compensar a sobrevalorização cambial com estímulos fiscais e creditícios às exportações. No que diz respeito às importações, abandonou a linha ultraliberal do início do Plano Real e resolveu adotar medidas seletivas de contenção.
Nem a política cambial, vaca sagrada do programa de estabilização, escapou de uma certa correção de rumos. Em 97, o BC passou a desvalorizar gradativamente a taxa de câmbio em termos reais, na esperança de poder retificar ao longo de alguns anos a barbeiragem cometida no segundo semestre de 94.
No artigo da semana que vem, volto a comentar as agruras e dilemas da política cambial brasileira.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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