São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DAR TERRA NÃO BASTA

Aparentemente, as relações entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o governo federal assumiram um caráter um pouco mais rotineiro. Ainda que não se possa crer no fim da violência no campo, hoje há mais diálogo.
Agora trata-se principalmente de negociar assentamentos, viabilizá-los e, afinal, ajudar a resolver a questão. Pelo menos por enquanto, a reforma agrária pode assumir, no lugar da denúncia e da confrontação, o caráter de um programa social como outros e ser discutida em termos racionais. Devem auxiliar esse debate os dados do censo da reforma agrária realizado pela UnB a pedido do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O censo revela uma situação até mais dramática do que a conhecida. Afinal, entre as características reveladas pela pesquisa está o baixíssimo nível de instrução dos assentados. Em São Paulo, menos de 5% deles conseguiram terminar o 1º grau.
Outro indicador desmente a hipótese de que a maioria dos sem-terra seria oportunista, pessoas recém-saídas das cidades: 70% deles são oriundos de atividades no campo. Ex-bóias-frias, por exemplo, vítimas da mecanização da agricultura.
O resultado desse quadro é óbvio: os trabalhadores têm um passado no campo, mas falta-lhes treinamento, o que faz com que a produtividade nos assentamentos seja inferior à média nacional. O assentamento é só uma solução parcial, capaz, no máximo, de manter essa massa de camponeses na subsistência.
Nesse contexto, é positiva a decisão do Incra de reduzir o tamanho dos lotes para assentar mais famílias desde que haja maior assistência técnica e investimentos em educação no campo. Só com tal apoio externo, nada barato, é possível elevar a produtividade e obter financiamentos.
Dar terra é apenas promover alguma mobilidade entre a miséria absoluta e condições no máximo de pobreza. Mas, se a reforma agrária ficar nisso, talvez não consiga sequer reduzir a violência e a desesperança que afligem os excluídos.

Texto Anterior: A ÚLTIMA DA JOGATINA NA TV
Próximo Texto: De mídia e de "burradas"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.