São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997 |
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'Globalização é faca de dois gumes para as mulheres'
LUCIA MARTINS
Essa é a opinião de Marry Frances Berry, presidente da Comissão de Direitos Civis dos EUA, que abre amanhã um simpósio sobre cidadania e trabalho feminino em São Paulo (leia texto abaixo). "Acho que tem que haver um mecanismo internacional para discutir e defender os direitos das mulheres", disse à Folha. Professora da Universidade da Pensilvânia e a primeira mulher a assumir a direção de uma universidade nos EUA (a Universidade do Colorado), Berry acha que a educação é a principal arma das mulheres contra abusos -principalmente nos países em desenvolvimento. "Minha mãe sempre me disse para ser superqualificada em tudo", escreveu Berry em um artigo. A globalização da economia é uma faca de dois gumes para as mulheres, diz. "Pode representar mais oportunidades, mas, se elas não tiverem formação adequada, pode significar mais exploração." A formação de um movimento é importante, principalmente agora que estão surgindo grupos masculinos, como o Promise Keepers (grupo de homens cristãos dos EUA que luta pela volta dos valores familiares, sob o poder masculino). Leia a seguir trechos da entrevista que ela concedeu à Folha. * Folha - A globalização pode reduzir a desigualdade no mercado de trabalho para as mulheres? Mary Berry - Queremos ter certeza de que a globalização vai dar mais oportunidades para as mulheres em vez de criar desigualdades. Mas ela é uma faca de dois gumes. De um lado, há um grande número de mulheres no Terceiro Mundo com oportunidades que não tinham antes. De outro, há mulheres mal remuneradas e exploradas no trabalho. Elas estão entre os mais mal pagos trabalhadores. O problema é que as pessoas falam sobre globalização como solução para tudo. Se não mudarmos as distorções de hoje, a economia global deixará as mulheres com as mesmas desvantagens de antes. Folha - O que sra. diria da situação das mulheres brasileiras? Berry - Conheço um pouco a realidade do Brasil. Acho que a situação é muito semelhante à dos outros países em desenvolvimento. O principal problema é a subordinação econômica das mulheres. Elas têm os salários mais baixos e ainda trabalham em jornada dupla. O Brasil não está entre os mais pobres, mas claramente os salários não são o que deveriam. Folha - Como se muda isso? Berry - Acho que tem que haver movimentos sociais em cada país onde há problemas, principalmente hoje, com o surgimento de grupos como o Promise Keepers. Mas também tem que haver uma ação internacional para achar meios de acabar com desigualdades. Assim, elas podem competir. Folha - Educação é um dos mais sérios problemas brasileiros. O que a sra., que tem participação ativa na universidade, acha que poderia ser feito? Berry - É preciso haver mais acesso das mulheres a todos os níveis da educação. Porque só assim elas podem competir pelos melhores lugares. Há uma relação direta entre boa educação e oportunidade de conseguir um bom emprego. Folha - O que sra. acha do sistema de quotas (obrigatoriedade de destinar vagas para minorias em locais como universidades)? Berry - Quando entrei na escola de direito, há alguns anos, havia poucas mulheres. Hoje, a metade dos alunos são mulheres. E isso é consequência das mudanças sociais. Ou seja, as mulheres têm acesso a uma boa educação, que faz com elas cheguem a boas universidades. Acho que não adianta colocar pessoas na universidade se não estão preparadas. Elas têm que chegar com suas próprias pernas. E o caminho é aumentar o investimento em educação. Folha - A sra. mencionou os Promise Keepers. O que a sra. acha que esse grupo representa? Berry - Eu coloco os Promise Keepers na mesma categoria dos muçulmanos. Só que eles são cristãos. A mensagem deles é que as mulheres deveriam ficar felizes se os seus maridos fazem parte do grupo, porque eles serão legais com elas. Mas a condição é que elas fiquem subordinadas a eles, porque, segundo eles, esse é o papel das mulheres na sociedade. Eu acho que as mulheres querem ser parceiras iguais no trabalho e em casa. O lado bom desse grupo é que ele tira os homens das ruas e faz com que eles parem de bater nas mulheres. Mas o lado ruim é que eles acham que têm o poder exclusivo de tomar decisões em casa. Folha - O que aconteceu com o feminismo? Berry - A palavra se tornou negativa. A maioria das mulheres vai dizer que não é feminista, mesmo lutando por mais oportunidades e direitos iguais. A palavra ficou feia, mas o movimento não. Texto Anterior: Bom de papo, ruim de voto Próximo Texto: Simpósio debate cidadania Índice |
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