São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997 |
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Faustão e Gugu, a guerra perdida
SÉRGIO DÁVILA
Menos ironicamente e mais sintomaticamente do que gostamos de pensar, um dos pontos de intersecção dos dois lados era Chacrinha. Sim, o homem-auditório, o pai de Fausto Silva (Globo) e Gugu Liberato (SBT). Pioneiro do "sistema" a dar voz e público ao movimento dos baianos, o animador agradava ao mesmo tempo ao cravo e à ferradura: seu programa, na Globo, servia ao plano de integração nacional do regime, mas sua anarquia dava inspiração aos tropicalistas. A diferença, então e agora, está nas intenções. E, antes que os práticos de plantão gritem, é preciso dizer que é mais profunda do que o axioma de Nelson Rodrigues -segundo o qual o que distinguia o Cinema Novo do cinema "normal" era que os dois tinham Grande Otelo como estrela, mas, no primeiro, o ator aparecia pelado. Pode-se discutir se Faustão é Gugu, e se ambos são Chacrinha, mas não é passível de sofismas o fato de que havia um movimento cultural, uma intenção de mudança, um pensamento ali, enquanto agora o imediato, o comercial e sua consequente falta de reflexão regem a história. Estamos mais pobres. Atenção, não se trata de gosto. O óbvio seria dizer que, na Grande Guerra da Audiência Dominical, o bom gosto é a primeira vítima. Bobagem. O mau gosto é bem-vindo e em certa medida até desejável. Como lembra o jornalista Carlos Calado no livro inédito "Tropicália - Uma Revolução Musical", o tropicalismo atirava bananas ao público, enquanto o faustismo entrega sushis em bandejas nuas e o guguismo põe Tiririca a tirar sabonetes de tanga. Não é esse o ponto. Somos um país adolescente, é óbvio que ainda vale tudo, do nu frontal da japonesa às 17h15 de ontem, na maior TV aberta do país, aos peitos da cantora de axé no mesmo horário, na vice-líder. Vale tudo, desde que, como diz Luis Fernando Verissimo, não assuste os cavalos na estrebaria. Ou seja, que a luta seja de igual para igual: crianças e deficientes mentais, por exemplo, estariam fora, embora o guguismo e o faustismo nem sempre levem isso em conta. (Num quadro que estreou ontem, "Sentindo na Pele", Gugu Liberato se fazia passar por mendigo nas ruas de São Paulo e tentava alugar um bebê de uma pedinte verdadeira. Terminava a história fingindo chorar. A metáfora é muito óbvia para ser feita...) Texto Anterior: Coluna Joyce Pascowitch Próximo Texto: Disputa começou com 'Viva a Noite' Índice |
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