São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997
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'Sou contemporâneo do meu tempo', diz Bowie

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Nesta semana, o músico inglês David Bowie estará se apresentando pela segunda vez, com um intervalo de sete anos, para o público brasileiro.
Agora um homem aos 50, demonstrará que, diferentemente do clichê existente sobre seu trabalho, não é exatamente um camaleão, mas um sobrevivente.
Alguém capaz de assimilar -como contou em entrevista por telefone à Folha, na última sexta-feira- o que acredita ser o espírito de seu tempo e, assim, permanecer vivo em uma indústria (a do disco) cada vez mais jovem e ansiosa por modismos.
O show que o Brasil verá (sexta em Curitiba e sábado em São Paulo, como parte do festival Close Up Planet 97) é baseado em "Earthling", seu mais recente trabalho, em que flerta com o que acredita ser o futuro: a música eletrônica.
Leia abaixo trechos da entrevista. Bowie fala do novo momento cultural inglês, de Oasis e do teatro de Samuel Beckett, demonstrando que, em oposição ao Rolling Stones, é alguém que não se recusa a evoluir.
*
Folha - Depois de 30 anos aproveitando o melhor das transformações na música e na cultura pop, agora você também faz parte da chamada "nova música britânica"?
David Bowie - Pelo fato de ser britânico, sim (risos)... Acho que sim, mas é necessário definir de qual "britpop" estamos falando aqui. Isso porque o pop britânico é diverso. Existem bandas como Pulp, Blur ou Oasis e, por outro lado, Underworld, Goldie.
O pop britânico, como disse, é tão diverso que penso ser ainda parte dele.
Folha - Então você acredita que seu trabalho faz parte da "renascença da cultura britânica"?
Bowie - Não, realmente não penso assim. Durante toda a minha carreira, estive sempre em meu território. Um território muito particular. Nunca houve um tempo em que fosse possível dizer que fiz parte de um movimento.
Quando algumas idéias tomam forma de movimento -o que aconteceu com o "glitter", nos anos 70-, eu rapidamente as abandono.
O "glitter" tornou-se popular, mas eu já estava produzindo outras coisas, como o álbum "Young Americans". Nunca me senti como parte de um movimento, mas sim como um contemporâneo em relação à música do meu tempo.
Folha - E você pensa que conseguiu, em todos esses anos, ser esse "contemporâneo de seu tempo"?
Bowie - Eu sou uma pessoa que vive o tempo. E faço isso intensamente. Vivo o aqui e o agora. Não importa o que esteja fazendo, minhas reações estão voltadas para o momento. Sim, acho que consegui dar conta da minha ambição.
Folha - As pessoas no Brasil assistirão então ao mais contemporâneo dos Bowies?
Bowie - Trarei exatamente o mesmo show da Europa e dos EUA. O mesmo projeto, os mesmos vídeos, as mesmas coisas, enfim.
Folha - Seu último trabalho, "Earthling", é assumidamente eletrônico. Como transpor isso para uma apresentação ao vivo?
Bowie - Sim, eletrônico. Mas é bom lembrar que é também uma aproximação da eletrônica (o equipamento) com músicos, uma combinação que produz um rock muito agressivo. Mais "sampler tecnológico" do que eletrônico.
Folha - A música eletrônica parece assumir o aspecto de "mainstream", cada vez mais incorporada pelo público, mídia e indústria.
Bowie - A música tecno, sim. O jungle, que faço, não. O gênero ainda tem um público muito pequeno. Não é ainda rentável, popular. O tecno, é claro, hoje é "mainstream".
Folha - Essa música é o futuro?
Bowie - Possivelmente será o futuro. Mas não acho que seja todo o nosso futuro. Essa é a razão do trabalho que venho realizando nos últimos três anos. Uma das coisas novas que acontecerão, eu acredito, é o melhor ajustamento na combinação de instrumentos eletrônicos, sons pré-gravados e músicos.
Todas as vezes que vejo uma banda de rock industrial, tecno ou jungle, nunca encontro "verdadeiros instrumentos" sobre o palco. Há sempre "samplers" demais. Essa é a diferença.
Folha - Não há então contato com o outro lado do "britpop" e seu maior representante, o Oasis?
Bowie - Alguém como Liam Gallagher e o que produz não é o tipo de música que gosto. É correta, mas a música que persigo é muito mais vanguardista. Essa música pop não está realmente nos levando a lugar nenhum. É muito respeitosa, mas não há nenhuma informação nova.
Folha - Você sempre defendeu que a música está ligada a outras artes, especialmente ao teatro. O seu novo show está mais próximo das peças de Irvine Welsh (autor de "Trainspotting") ou de trabalhos da velha geração, como Harold Pinter (dramaturgo inglês)?
Bowie - Oh, Deus!, realmente isso é interessante. Eu não estou certo... O ambiente criado para esse show será uma espécie de "psicodelia gótica" (risos). Essa é a minha melhor descrição.
O palco, dessa vez, provoca reações muito estranhas. Há uma intensa carga de luxúria, de sensualidade. Esse é o imaginário que uso. Visualmente é muito psicodélico, mas a música é muito forte, muito agressiva.
O efeito da combinação é muito instigante. É algo mais próximo de Samuel Beckett.

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