São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997
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'Earthling' soa como velho dinossauro

CAMILO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando David Bowie apareceu neste ano com "Earthling", um disco incorporando tendências eletrônicas atuais como tecno e, principalmente, drum'n'bass, as reações variaram entre espanto e chacota.
Não é de agora que David Bowie e eletrônica andaram dormindo na mesma cama. Lá pela segunda metade dos anos 70, ele lançou o que ficaria conhecida como sua "trilogia berlinense".
Enfiado no estúdio com o guru Brian Eno e tomando quilos de drogas de efeito paranóico, Bowie mandou três obras-primas eletrônicas, sombrias, experimentais e à frente do seu tempo: os álbuns "Low", "The Lodger" e "Heroes".
E, antes ainda dessa trilogia (feita na cidade que hoje é um das mecas mundiais do tecno), ele já ensaiava passos no pop ruidoso e cibernético em "Station to Station".
Mas, enquanto naquela época Bowie não só estava sintonizado com a vanguarda como era a própria vanguarda, seus passeios atuais pela eletrônica têm sido em geral constrangedores.
Bowie tentando drum'n'bass em seu último disco, "Earthling", é desajeitado como um cinquentão tentando passos de dança "modernos" numa matinê.
O drum'n'bass é um gênero construído em volta do ritmo puro, do minimalismo, da economia de sons, da atmosfera esparsa. Colocar o vozeirão canastrão de Bowie, guitarras e um instrumental de rock só podia dar em desastre.
Pergunte a quem entende mesmo do assunto, como Goldie, o superstar do drum'n'bass e atração do último Free Jazz Festival.
Bowie lhe pediu para participar de seu próximo disco, "Saturnz Return".
Goldie declarou, em entrevista à revista "Muzik": "Eu disse que tudo bem e escrevi uma música para ele. É uma música incrível. É o que ele deveria estar fazendo em 'Earthling', em vez de dar uma de 'jungle man'".
Goldie acha que tem mais a ver Bowie fazer baladas estilo anos 50.
Não tão ruim, embora insignificante no macrocontexto, foi seu disco "cyberpunk" de uns três anos atrás, "Outsider".
Retomando a parceria com Brian Eno, anos depois, quando ambos já estavam bem sedimentados no "mainstream", eles produziram um disco interessante, mas inofensivo.
Bowie é só mais uma prova de que, diante do compasso frenético de inovação do underground eletrônico, os velhos dinossauros soam cada vez mais distantes.

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