São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997
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A culpa é do Dalai Lama

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Por mais que procure, não encontro outra palavra para designar as declarações do presidente da República, semana passada, sobre o descalabro reinante no setor da saúde: cinismo. A alternativa que me ocorre é uma palavra impublicável. Meu vocabulário é pobre.
Ele continua falando sobre os problemas nacionais como se fosse candidato a uma vaga na chapa de vereadores ou até mesmo à Presidência da República. O dinheiro destinado à saúde é mal gasto. Quem gasta esse dinheiro: o Dalai Lama? As testemunhas de Jeová? Minha defunta avó?
Nada é com ele. O ex-ministro Jatene suspeitava que o novo imposto, criado especificamente para a saúde, seria desviado para setores que saciassem o apetite eleitoreiro dos atuais detentores do poder, presidente da República em primeiríssimo plano.
Ao declarar que o problema não é dinheiro, FHC dá a entender que há dinheiro sobrando, o que falta é boa aplicação. Mais uma vez, a culpa deve ser do Dalai Lama, das testemunhas de Jeová e das avós alheias, defuntas ou não.
Fica difícil aceitar que o governo acredita no Sistema Único de Saúde (SUS). Ouvi dizer que os médicos que aderiram a esse sistema ganham dois reais por consulta. Realmente, não falta dinheiro. Também não faltam doentes.
Se FHC tivesse dedicado à saúde metade do entusiasmo e da generosidade com que enfrentou as resistências à emenda da reeleição, a situação poderia ser outra.
A prodigalidade dos afagos com que convenceu alguns deputados mostra que ele sabe gastar quando lhe convém. Daí talvez a acusação feita aos que não sabem gastar as verbas da saúde.
Peço desculpas aos possíveis leitores. Prometo instalar um "Aurélio" no computador para superar minha indigência vocabular. Até lá, não conheço outras palavras para acusação que o presidente da República fez ao Dalai Lama, às testemunhas de Jeová, às defuntas (ou não) avós de todos nós.

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