São Paulo, sexta-feira, 31 de outubro de 1997
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Smith provoca curto-circuito sexual em 'Procura-se Amy'

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Um curto-circuito entre dois mundos distintos que por acaso se conectam, uma análise das relações entre hetero e homossexuais, essa a sinopse curta de "Procura-se Amy".
Sexo, ou o modo como o sexo define as circunstâncias da vida de cada um, tem sido o tema predileto do jovem roteirista e diretor Kevin Smith. Assim foi com sua extraordinária estréia, "O Balconista" (94), e com seu segundo filme, o menos aplaudido "Mallrats" (95).
"Procura-se Amy", o primeiro drama de Smith (embora alguns classifiquem como comédia romântica), vem completar o que ele chama de "trilogia de New Jersey", Estado em que nasceu.
"Procura-se Amy" é a história do encontro de quatro personagens, todos na faixa dos vinte e poucos anos, todos desenhistas de quadrinhos, típicos jovens urbanos vivendo a atmosfera urbana e "cool" dos anos 90.
Os heterossexuais Holden (Ben Affleck) e Banky (Jason Lee) são amigos de infância, trabalham juntos, dividindo um estúdio e a autoria de uma revista. Os homossexuais Alyssa (Joey Lauren Adams) e Hooper (Dwight Ewell) são amigos que dividem o mesmo círculo de bares e festas.
Numa convenção de quadrinhos, Hooper, que também conhece Holden e Banky, apresenta Alyssa. Alyssa desperta o interesse de Holden. Ela também simpatiza com ele. A coisa vai num crescendo. Até ele descobrir, da maneira mais escancarada possível, que ela é lésbica: num bar em que ela se atraca aos beijos com outra garota.
Mas o que devia terminar por aí, o caso entre Alyssa e Holden, prossegue, tendendo a se transformar em amizade profunda. Ela vira confidente dele. Mas ele, que continua apaixonado, não resiste em dar um ultimato à situação.
É o início do curto-circuito. Por conta da relação dos dois, há um confronto entre os dois universos, que atua quase como um modificador de costumes. Os personagens então se desenham com mais clareza. O que tinham de bem-sucedidos -com exceção talvez de Hooper- na profissão, não o têm na vida amorosa e sexual.
Holden será incapaz de esconder suas ansiedades românticas e sua insegurança sexual. A misoginia e a homofobia de Banky exacerbam-se quando ele vê Alyssa abalar sua relação de amizade e trabalho com Holden, que aparentemente lhe bastava. Alyssa, sexualmente ousada e emocionalmente complicada, não hesita em reconhecer que só quer, no fundo, a sorte de um amor tranquilo.
Pode-se até dizer que isso já foi feito em cinema. Mas não no estilo de Smith. "Procura-se Amy" é um filme impressionantemente pessoal, honesto e irreverente.
Os personagens não têm papas na língua. O diálogo de Smith é ligeiro e natural, especialmente nas conversas entre Alyssa e Holden ou nos discursos irônicos do ativista gay e negro Hooper. Exemplo: a cena em que Alyssa, em conversa com Holden, sugere ter perdido a virgindade com um pulso de mulher e não com um pênis.
A câmera de Smith, meio imóvel, dialoga com a linguagem dos quadrinhos ao favorecer tomadas frontais e primeiros planos. O filme também tem cor e ritmo de revistinha -mas revistinha inusitada, genial.

Filme: Procura-se Amy
Produção: EUA, 1996
Direção: Kevin Smith
Com: Ben Affleck, Joey Lauren Adams
Quando: a partir de hoje, nos cines Eldorado 4, Top Cine 2 e Belas Artes - sala Villa-Lobos

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