São Paulo, sábado, 1 de novembro de 1997
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Festival na Alemanha analisa unificação

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A LEIPZIG

O impacto da reunificação alemã e da derrocada do bloco socialista ainda domina os corações dos habitantes da ex-Alemanha Oriental.
Não se falou em outra coisa durante a abertura do 40º Festival Internacional de Documentários e de Cinema de Animação de Leipzig (Alemanha), nesta semana.
O primeiro curta exibido já satirizava as mudanças. No desenho animado "O Monumento", rodado por Klaus Georgi e Lutz Stuetzner às vésperas da reunificação (1990), uma estátua gigantesca muda o lado para o qual aponta após uma ordem telefônica.
As consequências da mudança são pesquisadas em "Grosse Weite Welt" ("Mundo Muito Grande"), de Andreas Voigt. O documentário sintetiza em uma hora e meia os cinco filmes rodados por Voigt desde 1986 em torno de Leipzig -a segunda principal cidade da ex-Alemanha socialista.
Voigt concentra o foco no período entre outubro de 1989, semanas antes da queda do Muro de Berlim, e junho deste ano. Seis histórias principais desenham um mosaico de vidas marcadas pela reunificação. O estilo é jornalístico. Nada de narração explicativa. Tudo se constrói a partir de entrevistas espaçadas no tempo com os personagens escolhidos.
O jovem casal Diana e Sven abre e fecha o filme. Os desajustados de ontem abraçam a vida burguesa e ele vira militar de carreira. "Não teria outro emprego", reclama.
Uma punk de 1989 percorre trajetória similar. Sonhava ser cabeleireira -"mesmo no capitalismo, os cabelos não param de crescer". Virou secretaria -em Stuttgart, não mais em Leipzig. "Aqui não são tão cordiais. Se você faz algo, quer ser pago de acordo", resume as diferenças. Um casal trintão também saiu da cidade, trocando-a por um casa no campo. O tédio assalta-lhes o cotidiano.
O desemprego e a aposentadoria são o destino dos mais idosos. Uma jornalista cinquentona, que quando jovem colaborou com a Stasi (o serviço secreto da Alemanha Oriental) para conseguir emprego, batalha por um cargo numa editora, depois de longo período de inatividade.
Um veterano mineiro perdeu tudo: foi despedido, a mulher morreu, seu mundo ideológico ruiu. Como diria Voltaire de Souza, resta-lhe a bebida.
O fechamento de uma fábrica de roupas também desempregou um simpático grupo de costureiras. As mais jovens, com sorte, fazem curso de reorientação profissional. As de maior idade foram condenadas ao precoce retiro doméstico. Um divertido reencontro frisa o desperdício de vitalidade.
Flagrantes esparsos da recente história alemã comentam os perfis. A esperança acende os olhos de todos que falam durante as manifestações de protesto de 1989. A felicidade assalta um casal que recebe suas primeiras notas de marco alemão, em pleno processo de reunificação.
Um dos entrevistados criou o título para Voigt, saudando a possibilidade de, após a unificação, ter acesso a "este mundo muito grande". "Mas nem todos podem participar", alerta. "Se têm um emprego, podem. Se não, não."
Mudanças
Esse espírito de adaptação à Alemanha unificada também afeta a própria estrutura do festival de Leipzig, que, até 1989, era uma das principais vitrines dos filmes produzidos por países ditos socialistas.
Seu diretor-geral, o crítico Fred Gehler, acompanha o evento desde 1960, quando ainda era mero espectador, e tem consciência das dificuldades para inserir Leipzig no mundo pós-Guerra Fria.
"O Festival sobreviveu. Hoje pretende ser, ao mesmo tempo, um evento 'normal' e 'muito especial'", afirma Gehler.
É evidente o orgulho com que fala do extenso programa deste ano. "Leipzig-97 pretende ser um festival de recordação, que trata tanto do passado quanto do futuro."

O crítico Amir Labaki está em Leipzig como membro do júri internacional de documentários.

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