São Paulo, sábado, 1 de novembro de 1997
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Diretora tinha fama de dura

JAIME CHAVARRI
DO "EL PAIS"

Conheci Pilar Miró sentada no peitoril de uma janela, na antiga escola de cinema da rua Genova. Estávamos no início da década de 60 e um outro aluno filmava um documentário sobre ela.
Percebi a fascinação do meu companheiro por aquela garota séria que ficava na frente da câmera com a segurança de quem tem a certeza de merecer ser o centro das atenções.
Naquela época, já tinha fama de difícil. Trabalhamos juntos em televisão, mas não éramos muito chegados. Em Cannes, alguns anos depois, ela entrou inesperadamente na sala onde o filme que eu apresentava estava sendo exibido para a imprensa. O filme não estava agradando, e eu senti a mão pequena e quente de Pilar segurar a minha com força. Ficou assim durante todo o tempo da projeção, até que uma estranha angústia fez com que me retirasse da sala depois de lhe desse um beijo. Pouco depois, durante uma entrevista, foi mencionada a sua fama de dura e antipática. Miró respondeu: "É que eu sou dura e antipática mesmo". Como alguém podia não gostar dela?
Já diretora de cinema, bateu o telefone na minha cara quando lhe disse que não poderia ir a um festival em Manila, depois de pedir a minha opinião sobre quem deveria nomear diretor da filmoteca e me escolher como seu substituto no projeto que tinha com o seu adorado Gabo Garcia Márquez.
A última vez que a vi foi há algumas semanas. Viajamos no mesmo avião e ela estava sentada sozinha, disposta a fazer a viagem sem companhia. Pensei em passar batido para evitar uma situação constrangedora.
Mas me lembrei novamente da sua mão em Cannes. Pela primeira vez em minha vida, pedi a um senhor, que parecia muito contente sentado ao lado dela, que mudasse de lugar. Ela me olhou divertida, e eu precisei reconhecer que, apesar de nos conhecermos pouco, eu tinha uma relação sentimental com aquela mulher.
Fiquei atento durante o vôo, disposto a oferecer a minha mão caso ela ficasse nervosa -mas ela não ficou.
Foi a única vez que fiquei a ponto de falar com ela sobre o que acontecera em Cannes. A certa altura da vida, perdemos muitos dos nossos pudores e do nosso amor-próprio. Apesar disso, é muito difícil reconhecer que a maior parte do tempo agimos com o coração.

Tradução Maria Carbajal.

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