São Paulo, terça-feira, 4 de novembro de 1997
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Serra quer o fim da TR

CELSO PINTO

O salto nos juros pode gerar um aumento explosivo nos gastos com passivos indexados à Taxa de Referência, a TR. O senador José Serra tem uma proposta concreta: acabar com a TR já, o que pode ser feito por meio de medida provisória, e criar um novo sistema para manter a atratividade da caderneta de poupança.
A TR é calculada com base numa média de juros praticados no mercado. A TR de outubro foi de 0,66%, ou o equivalente a 8,2% ao ano. A estimativa para a TR de novembro, segundo Serra, é de 1,8%, ou 23,9% anualizada. Ou seja, a TR vai triplicar.
Ótimo para quem tem dinheiro aplicado na poupança, mas um desastre para quem tem contas indexadas à TR. Todos os mutuários do sistema de habitação vão tomar um baque, mas não estarão sozinhos. O governo será um grande perdedor.
A TR é usada como indexador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), do Fundo de Variação de Compensações Salariais (FCVS, o subsídio criado no passado para o SFH), todos os depósitos judiciais (mais de R$ 18 bilhões) e todas as sentenças judiciais (nas quais o governo é contumaz perdedor).
"A TR é um mecanismo violento de propagação do déficit público", diz Serra, um velho adversário da TR. No primeiro ano de Plano Real, de juros altíssimos, quando Serra era ministro do Planejamento, ele calculou o tamanho do buraco nas contas do governo provocado pela incidência da TR: chegou a R$ 10 bilhões.
Ele concorda que é preciso estimular as cadernetas de poupança, já que os juros das outras aplicações no mercado dispararam.
Seria possível, contudo, fazer isso mudando o cálculo de rendimento da poupança. O fim da TR poderia ser decidido por MP e é o que Serra vai propor ao governo.
Loyola: crise pode voltar
A partir de agora, o governo precisa ser ainda mais conservador e sinalizar um avanço na área fiscal.
"Nada indica que não se possam repetir os problemas da semana passada lá para frente, e cada vez pior", argumenta o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola.
A instabilidade foi muito séria, a seu ver. Começou nas Bolsas, passou pelas instituições que tinham posições muito alavancadas e gerou uma especulação contra o Real.
Durante todo o processo, lembra Loyola, nenhum fundamento da economia brasileira se agravou. O que reforça a idéia de que, em certas circunstâncias, ataques especulativos podem ocorrer sem que o detonador tenha sido uma piora nas condições econômicas.
A conclusão é que o Brasil precisa ser ainda mais conservador. "A reputação econômica tem que estar acima de qualquer suspeita", diz.
Os juros altíssimos podem ser mantidos por uns dois meses sem grande impacto, mas eles são "insustentáveis a médio prazo do ponto de vista fiscal". A única maneira de dar mais segurança, portanto, "é produzir fatos concretos na área fiscal".
Loyola viu nos bancos estrangeiros, especialmente nos bancos americanos, uma das principais fontes dos boatos durante a crise. "A grande fonte de desestabilização veio de Nova York", diz.
Foram também alguns bancos americanos que permitiram que fundos especulativos externos ("hedge funds") montassem posições no mercado futuro de dólares no Brasil. Foram "barriga de aluguel" desses fundos, ou seja, aceitaram dólares deles no exterior e aplicaram reais aqui. Algo que, sugere Loyola, deveria ser visto com grande rigor pelo BC.
A perda de reservas
Com a posição oficial do câmbio livre na sexta-feira e as estimativas do câmbio flutuante, dá para saber a perda de dólares durante a semana de confusão: US$ 7,9 bilhões. A queda nas reservas, contudo, será menor.
Como antes da crise havia ganhos, a perda acumulada no mês ficou em US$ 6,3 bilhões (US$ 1,035 bilhão no câmbio livre e estimados US$ 5,291 bilhões no flutuante).
A perda de divisas, contudo, só acontece quando o câmbio é liquidado e isso, em muitas operações, só acontece dois dias depois do registro da operação.
Como quinta e sexta-feira acumularam perdas muito fortes, em torno de US$ 2,4 bilhões, se a maioria das operações for liquidada em dois dias úteis, irá pressionar apenas as reservas de novembro. Outubro somaria operações fechadas nos dois últimos dias de setembro, quando a vida estava mais fácil.
A perda de US$ 6,3 bilhões, portanto, cairia para US$ 3,9 bilhões. A este total seria preciso acrescentar o pagamento de juros da dívida externa (em torno de US$ 1,5 bilhão). Moral da história: a perda de reservas poderia ficar abaixo de US$ 5,5 bilhões.
Esta é uma estimativa, já que existem tanto operações de venda de dólares, quanto receitas externas de juros sobre aplicação das reservas que são feitas fora do registro dos mercados de câmbio e podem alterar o resultado.
Novembro começaria com um buraco de US$ 2,4 bilhões, mas o BC teria tempo para correr atrás do prejuízo.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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