São Paulo, quinta-feira, 6 de novembro de 1997
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Juro alto criará embaraço fiscal, diz FHC

Rádio Alvorada - Eu queria saber a respeito dos cortes nos gastos. O governo vai fixar um critério objetivo para fazer esses cortes? Existe o risco de áreas como a educação, Comunidade Solidária, Saúde, sofrerem corte? Quais são os critérios que vão ser usados para fazer esses cortes?

FHC - O governo está estudando essa matéria. Posso lhe adiantar que na primeira proposta que me chegou às mãos, a educação e a saúde estavam fora. Estavam excluídas nesse nosso empenho. O nosso Orçamento é já muito austero. Não é um Orçamento que tenha se caracterizado por liberalidades. Daí a nossa dificuldade no exercício desses cortes. Agora, eles serão anunciados, não estão decididos, nós estamos justamente analisando tudo isso. No momento adequado, os ministros informarão à opinião pública e darão a razão. Mas nós temos cuidados, que temos que ter. Primeiro, nós não podemos fragilizar os nossos projetos de investimento além de certos limites. Nós temos que manter os investimentos. Em segundo lugar, certas áreas, eu vou citar as que estão em pauta, são áreas que não podem ser afetadas. Mas, às vezes (aí eu faço um apelo à imprensa e à opinião pública), nós temos que discutir a qualidade do gasto. Não se trata só de gastar. Gastar mais, não é bom, é gastar bem.
Então, em todas as áreas, isso inclui educação e saúde, essa pergunta deve ser feita. Esse programa está dando resultados? Ele poderá ser feito com menos recursos? Nesse momento, ao diminuir os recursos, não se está diminuindo a oferta de serviços e pode-se, eventualmente, estar melhorando a qualidade dos serviços. Eu tenho dito, não é de agora, é de algum tempo, nós temos que sair de um paradigma quantitativo -só pensar quanto gastou-, para qualitativo: gastou bem? Muitas vezes gastou muito e gastou mal. Eu não posso negar que o Estado brasileiro gasta mal. Não só eu, não é esse governo e nenhum governo específico. O conjunto do Brasil gasta mal. Um dos dados importantes que preocupam é que o gasto social do Brasil, comparativamente com o seu PIB, já é elevado e o resultado desse gasto é pequeno. Inclusive, há gastos que não chegam às camadas que mais precisam. Então, eu acho que a questão do ajuste fiscal é uma boa oportunidade para nós repensarmos o modo como gastamos. Não é só quantitativo, é qualitativo também.

Zero Hora - Bom dia presidente, bom dia ministros. O senhor disse no início, e repetiu agora há pouco, que é injusto dizer que o governo não se empenhou a fazer as reformas. O deputado Germano Rigotto afirmou ontem que "o governo não mexeu um dedo para fazer andar a proposta de reforma tributária e que, quando mexeu aprovou o que quis, como a Lei Kandir, a CPMF e outras medidas pontuais". Esse é um revide do governo, se olhado de primeira hora. Eu lhe pergunto se o governo, afinal, queria as reformas. Não é meio tarde para se jogar de corpo e alma nessa briga?

FHC - Primeiro, não é briga. É uma proposta de união ao redor dos interesses do Brasil. Segundo lugar, o próprio deputado Rigotto dá alguns dados que são contraditórios. O governo fez, na parte tributária, o que estava ao alcance dele. Ele alterou o Imposto de Renda das pessoas jurídicas; alterou o Imposto de Renda das pessoas físicas; ele criou o Simples, uma modificação essencial nas micro e pequenas empresas; ele fez a exoneração dos bens de capital na importação. Quer dizer, o governo fez muita coisa na área tributária. Então você pode dizer, o deputado Rigotto pode dizer: por que não fez mais? Porque há um impasse efetivo na questão, sobretudo, da distribuição de recursos entre Estados, municípios e União e na questão relativa a quem vai coletar esses recursos.
O secretário-geral do Ministério da Fazenda, recentemente, esteve no Congresso e reapresentou as idéias do governo para avançar a reforma tributária. Como nós estamos numa democracia, e isso é ótimo, o governo, no que lhe corresponde especificamente, pode agir no plano infracondicional ou no plano de decisões administrativas e tem agido, para aliviar a carga tributária.
Tem agido bem, vários exemplos estão aqui. No que diz respeito ao impacto político federativo, que é isso que se trata agora, não pode ser assim. Tem que haver um consenso. Nós não vamos entrar num processo de reforma que resulte numa distorção maior dos recursos já mal-distribuídos pela Constituição de 88. Então, é a reforma tributária que está nesse pé, e eu acredito que não é uma reforma (nos EUA houve uma reforma tributária). O ministro Pedro Malan (Fazenda) não só é um grande ledor como ele passa uma parte das leituras dele comentadas para eu ler. Então eu sei mais ou menos o que acontece em certas áreas.
Nos EUA, foi uma dificuldade imensa para alterar alguns pontos dessa reforma, que não é uma questão simples, é uma decisão política. E por isso nós não estamos insistindo nesse momento na reforma tributária. Estamos insistindo na discussão dela, porque ainda não está madura a discussão dela. Você se lembra que há muito pouco tempo, o Brasil inteiro acreditava que o Imposto Único resolvia tudo.
Havia febre. Agora não pensam mais assim, ou pelo menos, setores que pensavam deixaram de pensar. Então, são assuntos complexos. As outras reformas do deputado Rigotto, que foi líder, um bom líder, ajudou a fazê-las. Não se esqueçam de que nós tivemos problemas sérios na reforma da Previdência, o governo teve que substituir o relator, foi derrotado no Congresso, voltou a ganhar com o deputado Temer, levou para o Senado. O Senado fez um trabalho muito bom de recuperação para a reforma previdenciária, o governo esteve atento a isso. Eu, pessoalmente envolvido, reuni-me em um grupo favorável, 17 ou 18 senadores, num dado momento. Falei sempre com os líderes. O senador Elcio Álvares tem sido de uma prestança enorme, nessa matéria. O senador Beni Veras reúne uma cooperação imensa no Senado. E está avançando. Agora, houve uma proposta, que eu achei excelente, do deputado Inocêncio, do deputado Aécio Neves, de vários deputados na Câmara e, quem sabe, a Câmara possa votar a reforma tal como ela veio do Senado.
Isso significa que todos os problemas serão resolvidos? Não! Mas é um passo, não é? Então, vejam que o governo realmente está empenhado. Na reforma administrativa eu me empenhei inúmeras vezes. Agora, dizer que o governo não se empenhou? Como não se empenhou? Se a crítica que me faziam era de gastar o tempo todo discutindo com as lideranças, e até maldosamente alguns achavam que essas discussões eram sobre emendas ou coisa que o valham, que não eram.
É só ver os jornais. Vejam o que vocês mesmo publicaram, para ver quanto do meu tempo foi dedicando às reformas. Agora, dizer que o governo não se empenhou? Não, isso não é verdade! Continuamos empenhados. Nós não temos alternativas. Nós, aqui, é o Brasil. Eu vejo que a oposição, às vezes, fica um pouco irritada de eu dizer 'nós somos o brasil'. Mas eu incluo a oposição nisso. Ela é que se exclui. Quando eu digo 'nós estamos empenhados', é o Brasil. É por causa disso que digo 'é bom para o Brasil', porque eu sei... Cada um tem uma visão disso. Mas, pelo menos, o embate entre essas duas divisões é bom para o Brasil. Então, vamos continuar empenhados.
O Estado de S. Paulo - Alguns jornalistas das contas públicas estimaram em cerca de R$ 2 bilhões por mês o efeito ao aumento das despesas que haveria por conta da elevação das taxas de juros. As estimativas que têm saído sobre os cortes de despesas que o governo faria para esse ano são de algo entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões. Isso pode significar que há um prazo com que o governo trabalha para a manutenção dessas taxas de juros, que poderia ser de um a dois meses? E qual seria, vamos dizer assim, o "deadline" para a manutenção dessas taxas? Eu queria colocar uma outra questão também, e pedir uma avaliação do sr. sobre a crise atual. Na sua avaliação, ela está sendo pior do que a crise que o país viveu em 95, em consequência da quebra do México? Isso não está mostrando que o grau de vulnerabilidade da economia brasileira seria maior a choques externos do que se supunha inicialmente?

FHC - Bom, vamos lá. Com relação à avaliação dos efeitos da alta na taxa de juros sobre as contas públicas, tudo é prematuro não é? Não se sabe quanto vai durar. Qual é a ação do governo e da sociedade? Nós temos que debelar as desconfianças sem base que começaram a ocorrer. Então, eu acho que hoje é um dia glorioso, já disse aqui, porque mostrou que o Brasil acredita em si e vai para a frente com a privatização, não é isso?
Ontem também, porque o Congresso mostrou sensibilidade para a situação. Feito isso, essas taxas não se manterão elevadas. Não adianta perguntar quando, porque esse quando, por mim, seria amanhã, hoje. Agora, isso depende de condições que nós estamos criando e também não precisa estar fazendo muito cálculo para perceber que não é possível manter essa taxa nesse nível, porque ela realmente criará um embaraço fiscal muito grande, além de problemas na área econômica.
Então, o pensamento nosso é ação, muita ação, transparência, para que nós tenhamos credibilidade para que possamos baixar essas taxas de juros. Acho que esses cálculos todos são baseados em hipóteses. Ora, em hipótese faz-se o que se quiser: positiva, negativamente, mais ou menos; eu gosto, eu não gosto. Então, não cabe ao presidente da República fazer hipóteses, cabe agir. É o que nós estamos fazendo para baixar o quanto antes essas taxas de juros.
Com relação a minha avaliação sobre a crise? Não, em 95 nós tivemos primeiro o efeito chamado Tequila, que já tinha havido a crise do México em dezembro. Nós tivemos problemas que nós próprios talvez tenhamos provocado na nossa operação na questão do câmbio e nós tínhamos fragilidade no sistema financeiro, que nem nós tínhamos clareza sobre o alcance dessa fragilidade. Graças ao Proer, que é objeto de campanha eleitoral favorável.
O Proer deve ser exposto ao país como o instrumento que evitou que nós tivéssemos o que está acontecendo na Indonésia hoje. Ontem, fecharam 16 bancos. Quando fecham 16 bancos, se arruina milhões de depositantes. Aqui, nenhum depositante perdeu nada. Quem perdeu foram os banqueiros, os donos dos bancos que tiveram dificuldades, esses sim estão com os seus bens arrestados, mas os depositantes não. Proer e o trabalho imenso da área financeira, do Banco Central, do Ministério da Fazenda, de recompor o nosso sistema financeiro, deram solidez ao nosso sistema financeiro. Não houve -vejam agora, nesse momento de turbulência- nenhum problema no nosso sistema financeiro. Então, nós estamos mais fortes.
Em segundo lugar, nós tivemos que tomar decisões duras, com presteza, que foram aplicadas e deram certo, quer dizer, sustaram. Devo dizer também, com alegria, que o Banco Central está recomprando as reservas desde sexta-feira à tarde e continua. Quero dizer -e isso é bom esclarecer para o país- quando se diz assim: houve uma perda de US$ 5 bilhões, isso é relativo. Quer dizer, a perda significa o seguinte: alguém que tinha reais na mão foi ao Banco Central e comprou com esses reais os dólares.
Deixou no Banco Central os reais e levou o dólar para casa, e às vezes mandou para fora. Uma boa parte ficou aqui mesmo. Alguns porque ficaram com receio, outros porque queriam especular. Os que queriam especular imaginavam que como o dólar iria ser desvalorizado, eles tendo dólar na mão, depois, comprariam de novo os reais ganhando. Como não foi desvalorizado, eles ficaram com a batata quente na mão, e quando o Banco Central diz que não vai remunerar os depósitos, a batata quente fica mais fervendo ainda na mão. Então, uma parte disso volta a vender os dólares ao Banco Central e no caso vende o dólar ao Banco Central por um preço mais baixo do que o Banco Central cobrou deles.
Então, o Banco Central já tem um pequeno ganho. Isso não é bom, não. Era melhor que não tivesse mexido nas reservas, mas não é uma perda no sentido comum de perder o dinheiro. Passou o dinheiro. Estava em dólar, nas reservas, passou a ser denominado em reais. Se voltarem a comprar dólares, as reservas se recompõem com esse mesmo dinheiro. Então, é esse o mecanismo que está em jogo e nós estamos já recompondo. Recomprando e recompondo as reservas desde sexta-feira. Então, você veja que eu acho que a situação hoje nós temos muitos mais instrumentos de atuação do que nós tínhamos em 95.

O Estado de S.Paulo - Com relação à vulnerabilidade das contas externas do país, o sr. acha que essa crise não revelou que ela seria mais alta do que se poderia supor?
FHC - Não, revelou o que já se sabia. O que a área econômica fala o dia inteiro? Nós precisamos de tais medidas, tais medidas, tais medidas para diminuir a vulnerabilidade, claro, não é? O que acontece é que como outros estavam muito mais vulneráveis e caíram. A vulnerabilidade relativa parece maior.
Isso não muda nossa política. Qual é a nossa política? Nós temos que diminuir a nossa dependência desses indicadores. O que significa isso concretamente? Diminuir os déficits. O que é que se diz o tempo todo? Tem que diminuir o déficit fiscal. O que nós dizemos? É preciso fazer as reformas. É preciso segurar o gasto público. É porque, diminuindo o déficit fiscal, a gente tem um indicador melhor, não é? Fortalece as exportações. Nós temos que fortalecer as exportações para poder aumentar.
É por isso que eu dei o dado 11% de aumento das exportações. Nada disso se faz do dia para a noite, mas os efeitos estão ocorrendo e nós vamos continuar apoiando as exportações -nós vamos continuar apoiando as exportações- temos feito bastante e faremos mais. É a maneira de você diminuir essa vulnerabilidade. Não há mágica nessa questão e o governo tem dito ao país: tem que fazer isso, vai acontecer isso, tem que fazer. Chega um momento que começa a chuviscar. Ainda bem que nós tínhamos guarda-chuvas. Abrimos o guarda-chuva e estamos vendo a nuvem no céu, mas já há um raiozinho de sol. Vamos apostar nele.

Rede Record - Presidente, o sr. disse há pouco que as reformas não são nenhum "Abre-te Sésamo" para solucionar tudo, inclusive, na economia brasileira. Talvez tenha sido isso que tenha ocorrido ao senador Jáder Barbalho ontem, quando ele perguntou ao ministro Kandir qual o resultado a curto prazo das reformas administrativa e da Previdência. O ministro respondeu: uma economia de R$ 16 bilhões ao ano. Está correto o número, presidente?

FHC - Ah! Sim, das duas?

Rede Record- As duas juntas, e, no entanto, em menos de uma semana de crise a gente viu, pelo menos segundo estimativas, que foram torrados aí R$ 8 bilhões. Eu queria que o sr. esclarecesse a sua opinião, o seu ponto de vista qual a relação definitiva entre as reformas e a crise que se afigurou e o que se pode fazer quanto a essa crise? O sr. várias vezes disse que já havia advertido aos organismos internacionais que é preciso tomar providências quanto a esse tipo de movimento. quais seriam esses mecanismos? O que o sr. sugere que seja feito? O que fazer para evitar o que ocorreu a semana passada?

FHC - Pois não, vamos primeiro à questão do senador Jader Barbalho, que era pertinente, a pergunta é a seguinte: olha, vamos fazer as reformas, qual é o efeito disso? A resposta também foi clara e pertinente. Não só ao que disse com números o ministro Kandir, que mostra que efetivamente num prazo de dez anos se tem uma economia de algumas cento e não sei quantos bilhões. Cento e? Dá o número lá? Na Previdência dá R$ 79 bilhões e R$ 8 bilhões por ano na Administrativa. Mas o que conta não é isso. O que conta foi a resposta que foi dada pelos dois ministros, que disseram o seguinte: no mundo de hoje há uma questão chamada expectativa, o investidor lá fora ou aqui dentro, ele fica olhando qual é a situação do governo. A pergunta que me foi feita agora. Há vulnerabilidade? Não há vulnerabilidade e ele calcula quais são os déficits potenciais e a valor presente, ele faz o cálculo e verifica: se essas medidas forem tomadas desanuviou o Estado brasileiro. Então isso tem efeito hoje. Não é que o dinheiro vai entrar hoje, mas a expectativa sobre como vão estar as contas do governo é hoje, não é amanhã, não é? E é isso que permite reduzir a taxa de juros porque as pessoas não ficam apostando que o governo vai estar mais embaraçado na sua política econômica. Vão apostando que o governo se liberou de um fardo. Então, se se resolver, se a reforma da Previdência ou Administrativa fosse mais consistente ainda com os objetivos fiscais aí os investidores domésticos e externos diziam: bom, o governo encontrou o seu caminho. Se forem aprovadas as reformas vão dizer: o governo encontrou um atalho. Não resolveu, mas ajudou e as expectativas melhoram já. Não é só uma questão quantitativa. Eu já disse aqui que quantitativamente o mês de outubro era um mês excelente para o Brasil e não obstante houve apostas que não eram na mesma direção e agora estão voltando a ser, não é isso? Então, para isso é que é muito importante aprovar as reformas. Agora, eu disse aqui e repito: elas não resolvem. O conjunto é que resolve: aumentar a exportação, uma política fiscal mais austera, a política monetária que tem sido bastante austera, a capacidade de atrair investimentos é um conjunto e nesse conjunto as reformas são um sinal positivo e positivo também pelo outro lado que hoje é muito importante no mundo atual. É que existe uma relação - como insisti ontem - de cooperação, de harmonia entre os poderes. Os poderes da República são separados e independentes, mas são também harmônicos de reconstrução. Essa harmonia não pode ser feita em benefício dos ouvidos do presidente. Tem que ser feita em benefício dos ouvidos do Brasil, de cada pessoa do Brasil. Quando cada pessoa sente: olha, eles estão trabalhando. Estão trabalhando juntos e um não está atrapalhando o outro isso repercute bem aqui e lá fora. Então, a votação tem também esse sentido muito eficaz. É simbólico, mas é eficaz. Está mostrando efetivamente uma disposição de avançar.
Tinha outra parte da pergunta.

Rede Record - Eu perguntei ao sr. sobre os instrumentos, ou seja, o ....
FHC - Ah! Perfeito, perfeito, perfeito, perfeito. Eu enviei uma carta ao presidente Chirac - eu imagino que a secretaria de Imprensa, de Comunicação tenha distribuído, há algum tempo com algumas sugestões. Isso foi em 95. Eu falei isso - a primeira pessoa que conversou comigo sobre isso foi o primeiro-ministro do Canadá, Reitian(?) que esteve aqui em visita ao Brasil logo que eu tinha tomado posse e o Canadá tinha sofrido, enfim, uma crise de especulação. O Canadá tinha um endividamento interno muito forte. Eu me lembro que quando o ministro Malan era presidente do Banco Central e eu ministro da Fazenda, nós fomos os dois juntos a Toronto, no Canadá e passamos a manhã assinando a renegociação da dívida do Brasil com o sistema financeiro. E, naquele momento, alguém me informou o endividamento das províncias do Canadá. Era enorme, muito maior que o nosso e o Reitian(?) estava preocupado com isso porque eles também sofreram esses problemas: o que eles fizeram? eles resolveram a questão do endividamento das províncias fiscal, a questão fiscal, tomaram medidas no plano do orçamento, tomaram medidas na questão dos restos a pagar, controlaram tudo isso. Mas, o presidente reitian(?) estava preocupado com a eventual incidência dessas turbulências. Depois, em cada vez que se reunia o Grupo do G-7, eu mandei carta a cada um dos presidentes: presidente Clinton, primeiro-ministro Major, todos, a respeito dessa questão. Fui à Cepal logo no início do meu governo, fui ao Chile, fui à Comissão Econômica da América Latina, fiz um discurso no qual eu convidava a Cepal, onde eu já trabalhei, para que se dedicasse preferencialmente à discussão dos efeitos negativos da globalização no que diz respeito aos grandes fluxos financeiros e aos capitais flutuantes que há pelo mundo. Eles trabalham fortemente, como se diz na gíria - e eu entendo muito pouco disso e por sorte não tenho uma ação - alavancados, ou seja, eles têm um ativo na mão de um e fazem empréstimos e apostam sobre dez. Bem, isto quando as coisas não vão tão bem assim leva a um endividamento rápido e há a necessidade de realizar seus ativos, vender para poder pagar as dívidas. Aconteceu isso agora com muitos dos investidores que trabalham alavancados. não há regras disso. não adianta o governo do Brasil fazer a regra, porque hoje como os mercados são intercomunicados ou existe o entendimento a nível internacional e que ponha certa ordem nessas apostas no mercado derivativo ou realmente há sempre esse risco de que a especulação tome proporções tais que enrede e atrapalhe a economia real. Isso é matéria que não pode ser decidida por mim, nem por nós aqui, mas tem que suscitada e está sendo a nível internacional. A partir de algumas das nossas observações que não foram só minhas naturalmente, o Fundo Monetário tomou algumas decisões. Hoje, agora mesmo na crise da Indonésia, eles estão atuando com mais presteza na Malária do que com a crise do México, na qual não se tinha nada efetivamente preparado nem no fundo para que houvesse uma massa de recursos capaz de conter os ataques a um país. Já existem alguns instrumentos que vão nessa direção e é preciso que haja mais. Eu tenho insistido há muito tempo que é preciso que nós nos organizemos para que nós possamos efetivamente ter uma espécie de novo "Breton Wood" que foi o acordo que foi feito depois da Segunda Guerra Mundial que deu origem ao Fundo Monetário e ao Banco Mundial. O Brasil foi convidado para ser acionista do BIS que é o Bank of International Settlement que é o banco dos Bancos Centrais na Suíça, que é o local onde esse assunto deve ser discutido e os nossos ministros têm participado dessas reuniões e isso eu creio que está em elaboração e o nosso papel tem sido muito ativo nisso. O ministro Malan recentemente, eu não sei, foi em Hong Kong que o Fundo Monetário teve uma reunião e nessa reunião há algumas idéias do Fundo, eu pessoalmente não tenho simpatia por elas porque são de uma liberalização muito grande dos fluxos. Eu acho que isso tem que ser discutido com mais profundidade, mas eu não sou economista vou esperar o resultado dessas discussões, mas, enfim, há muita matéria para ser pensada, proposta, regulamentada a nível internacional porque nós estamos assistindo a um fenômeno novo e esse fenômeno novo precisa de convergência. Eu até disse, recentemente, até com algum exagero retórico que o que acontece é que nós temos um sistema econômico globalizado. Primeiro, na produção com as multinacionais. Agora, com o sistema financeiro com essa globalização que ocorreu do sistema financeiro e dos capitais "golondrina", voadores, e nós não temos uma autoridade mundial. Não temos governo mundial. Ontem até - não vou citar aqui que é demais - nós citamos Kant para pensar nesse assunto, quer dizer, como é que se forma um governo mundial porque é disso que se trata. Quer dizer, nós não temos regras que tenham legitimidade a nível internacional isso não quer dizer para substituir os nossos governos, mas alguma coisa que dê uma sustentação da decisão e de controle dos fluxos que são internacionalizados.

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