São Paulo, sábado, 8 de novembro de 1997
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Peça de Plínio Marcos dá voz a Chico Viola

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

O "maldito" Plínio Marcos -o dramaturgo das prostitutas, dos bêbados e travestis- está escrevendo um musical sobre Francisco Alves, um dos cantores mais populares que o Brasil já conheceu.
O que há de comum entre os dois universos? Por que os olhos de Plínio, treinados em esmiuçar a decadência, resolveram se voltar para o sambista sorridente, o seresteiro das moças de família que morreu no auge da fama?
Talvez por causa da origem humilde do cantor carioca -filho de um comerciante português que, antes de iniciar a carreira artística, trabalhou como engraxate, chapeleiro e motorista de táxi.
Talvez em função da própria morte de Chico Alves, trágica, prematura e incompreensivelmente violenta para um homem que atravessara três décadas gozando as delicadezas do sucesso (no dia 27 de setembro de 1952, o músico de 54 anos dirigia um Buick pela via Dutra quando se chocou com um caminhão Fargo).
São, no entanto, apenas hipóteses. Avesso às teorizações, Plínio fica monossilábico se lhe pedem para explicar o porquê do musical.
"Gosto do Chico, porra. É só o que sei." Sabe mais: que costumava vê-lo cantar nos circos onde ele próprio, Plínio, se apresentava como palhaço.
A peça pretende narrar toda a vida do compositor. Entre os diálogos, o dramaturgo enxertará alguns dos incontáveis "hits" de Alves ("Que Rei Sou Eu?", "Confete", "Malandrinha").
Por enquanto, o musical leva o título de "Chico Viola", pseudônimo que o artista cunhou para si na década de 20. Era um apelido simplório perto do outro que também o celebrizou: "rei da voz".
Plínio, 62, conta que já escreveu uma versão da peça, embora não saiba precisar quando. Sua mulher, a jornalista Vera Artaxo, 45, o socorre. Foi há nove anos, para um projeto da Nossa Caixa.
Como o espetáculo nunca saiu do papel, o texto acabou se perdendo. Recentemente, Vera encontrou cinco páginas do original. Mostrou-as para a atriz Leda Vilella, que iria participar da primeira montagem e que -alguém lembrou- possuía uma cópia amarelada do roteiro.
Depois de o reler, o dramaturgo decidiu escrevê-lo novamente. Dedica-se à tarefa há três semanas e não faz idéia de quando irá encerrá-la. "Não me dou prazos. Não boto fivelas dentro de mim."
Com "Chico Viola", retoma um gênero que explorou nos anos 70 e no começo dos 80. À época, assinou pelo menos três musicais importantes: "Poeta da Vila e Seus Amores" (sobre Noel Rosa), "Balbina de Iansã" (composto por pontos de candomblé) e "Jesus Homem" (com sambas de Toniquinho, Jangada e Talismã).
O tempo que separa as três peças da nova modificou a imagem "outsider" que Plínio sempre cultivou. O dramaturgo já não mora em uma quitinete no centro de São Paulo. Trocou-a por um apartamento de quatro dormitórios.
Problemas circulatórios nas pernas também o impedem de vender livros pelas ruas da cidade.
Hoje, tira o sustento sobretudo das leituras de tarô e de palestras, que lhe rendem uns R$ 6.000 mensais. Mesmo sem dizer com todas as letras, deixa claro que Vera motivou as mudanças (o casal mora junto desde 1995, em companhia de Tiago, 14, filho da jornalista).
"Pois é...", ironiza. "Agora penteio o cabelo, não uso mais gorrinho e tenho o Tiago para carregar minhas malas."

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