São Paulo, sábado, 8 de novembro de 1997
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Tiro no pé do Brasil

EMIR SADER

Goebbels ouvia falar de cultura e sacava o revólver. O governo atual ouve falar de qualquer fenômeno que considere desestabilizador da moeda -alta do consumo brutalmente reprimido da população ou ameaça de fuga dos capitais especulativos- e eleva os juros.
Os juros estratosféricos são o santo do milagre do Real. A estabilidade monetária depende deles para atrair capitais especulativos, que por sua vez respondem pela estabilidade monetária.
A força de uma moeda vem da força da economia de um país. Por isso o dólar, o marco alemão, o iene têm a força que têm. Por que, de repente, nossa moeda passa a ter uma quase paridade com o dólar? Por termos um imenso mercado interno, com extraordinária capacidade de consumo? Ou porque dispomos de uma força de trabalho altamente qualificada? Talvez de uma infra-estrutura em ótimas condições?
Nada disso: porque atraímos capitais especulativos com taxas de juros altíssimas, porque praticamente não os taxamos, porque a política econômica deste governo deixou o Brasil refém desse capital (andorinha ou tucano?).
Elevando os juros, o governo oferece mais do mesmo. A fragilidade da economia brasileira -que fez com que o governo tivesse de aceitar a imagem real negativa do país lá fora- vem justamente dessa dependência de capitais especulativos para a estabilidade monetária, que o presidente e seus marqueteiros já detectaram ser seu melhor cabo eleitoral. À fragilidade externa o governo responde com a intensificação da política que gera fragilidade externa.
A cada mês em que as taxas de juros permanecerem nos patamares atuais, a dívida pública será acrescida em US$ 2 bilhões. Em um ano, seria necessária a venda de quatro Vales do Rio Doce para dar conta apenas da penada com que os tecnocratas dobraram os juros.
Que efeitos terá a elevação das taxas? O governo estará dizendo aos capitais especulativos que poderão seguir gozando de condições excepcionalmente favoráveis à especulação. Tudo à custa de elevar o desemprego, aumentar o já alto endividamento, acentuar a estagnação da economia, endividar mais ainda o Estado e desestimular de forma mais sistemática ainda o investimento produtivo, em favor do especulativo.
Este governo está colocando o país de joelhos diante de qualquer flutuação do capital especulativo em qualquer Bolsa do mundo. Não basta liquidar projetos nacionais, políticas industriais, a extensão do mercado interno de consumo popular, uma política externa soberana, a busca de uma distribuição de renda menos cruel, a elevação da criação de empregos a prioridade nacional. Não bastasse tudo isso, o governo ainda aumenta os juros com a justificativa enganosa de que se trata da única forma de defesa da economia nacional.
A elevação da taxa de juros é a confissão de onde este governo colocou os cimentos da economia nacional. Fábrica pode fechar, escola pode fechar, comércio pode fechar, hospital pode fechar. Banco, não. Daí o Proer.
As reservas dizem o tamanho da desconfiança na radicação dos capitais no Brasil. Um governo que age dessa maneira faz o país subir a um cavalo desembestado, uma armadilha com que nos chantageia diariamente. Enquanto a desregulamentação econômica for a filosofia do governo, teremos juros elevados, endividamento estatal, estagnação econômica, desemprego, deterioração das políticas públicas.
Há quem ganhe, como se vê nas pesquisas eleitorais, nos conchavos políticos do presidente (que, no intervalo da conversa com Maluf, diz não ser "hora de politicagem") e na reação favorável de George Soros e seus alegres amigos.

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