São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997 |
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Lei tira 'agentes da seringa' da clandestinidade
AURELIANO BIANCARELLI
Até agora, ameaçados de parar na cadeia, os agentes trabalhavam na clandestinidade. Como a psicóloga Andrea Domanico, da Apta -uma ONG de São Paulo-, eles vêm frequentando pontos-de-venda e uso de drogas travestidos de "gente do pedaço" e ganhando a confiança de usuários. Na bolsa, os agentes carregam kits com preservativos, folhetos, seringas, água destilada e potinhos para dissolver a cocaína. Oferecem um kit em troca de cada seringa usada que recebem. Para o caso de encontrar a polícia, levam um "salvo-conduto", cartas dos órgãos de saúde e dos conselhos de entorpecentes informando que estão fazendo prevenção. Pela lei em vigor, a distribuição de seringas é interpretada como incentivo ao uso de drogas. Equivale ao crime de tráfico, punido com prisão de 3 a 12 anos. Muitos promotores e juízes continuam insistindo nessa interpretação. "É a primeira vez que o poder público se aproxima do usuário de drogas sem ser para prendê-lo", diz Artur Kalichman, coordenador do programa de Aids da Secretaria de Estado da Saúde. A nova lei, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), livra a cara dos agentes paulistas. Mas a ameaça continua sobre agentes de outros Estados, paralisando a maioria dos projetos. Em Porto Alegre e Salvador, agentes se arriscam percorrendo áreas de tráfico durante a noite para trocar seringas. São projetos financiados pelo Ministério da Saúde com ajuda do Banco Mundial e o aval da Universidade Federal da Bahia e da Prefeitura de Porto Alegre. Na Austrália, a troca e distribuição de seringas vem mantendo a taxa de infecção entre usuários de drogas injetáveis em 5%. Em cidades como Santos, mais de 60% dos dependentes estão infectados. Em cidades como São Francisco, Los Angeles e Nova York, e em vários países europeus, os programas derrubaram as taxas para menos da metade. No Estado de São Paulo, o uso de seringas em grupo é responsável por um terço de todos os casos de Aids. "A troca de seringas tem a ver com a proteção da saúde, não representa uma atividade criminosa", diz Alberto Zacharias Toron, advogado, professor de direito penal da PUC de São Paulo e ex-presidente do Conen, Conselho Estadual de Entorpecentes. Segundo o advogado, os programas já poderiam estar em prática desde 1994, quando o Conselho Federal de Entorpecentes (Confen) publicou resolução favorável a um projeto. O Confen é um órgão normativo no âmbito federal e sua posição bastaria para descriminar os programas com usuários de drogas injetáveis. Em 1995, o Conen de São Paulo tomou atitude semelhante, mas os programas continuaram clandestinos. Na regulamentação da lei paulista, que será publicada esta semana, define-se que os programas serão tocados por serviços públicos de saúde, ONGs e instituições públicas e privadas que atuam com dependência. À Secretaria da Saúde caberá o monitoramento das atividades. Terá a assessoria de representantes da saúde mental, da Procuradoria Geral do Estado, Ministério Público, ONGs e secretarias da Justiça e Segurança Pública. Texto Anterior: Advogado defende atualização Próximo Texto: Psicóloga se mistura a dependentes Índice |
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