São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997
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Bactérias do inferno

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os seres de vida mais dura no planeta Terra poderão tornar mais fácil a vida do ser humano no futuro. Seu nome reflete essas condições de vidas difíceis: os extremófilos são micróbios capazes de viver em extremos de temperatura ou de falta de nutrientes.
Justamente essa resistência torna os extremófilos extremamente atraentes para a ciência e para a indústria. A característica do micróbio que causa essa resistência toda pode ser explorada com outros objetivos -desde lavar roupa até controlar a poluição ou criar uma nova linhagem de superantibióticos.
Um bom exemplo de extremófilo ganhou um nome científico adequado: o micróbio Bacillus infernus foi encontrado a 2,7 km de profundidade, em um local sem oxigênio e onde as temperaturas são da ordem de 60°C.
Existem organismos que os biólogos chamam de "eucarióticos", isto é, seres cujas células têm seu núcleo separado do resto da célula por uma membrana.
Essa é a principal divisão entre os seres vivos -um homem com seus bilhões e bilhões de células tem mais em comum com, por exemplo, uma célula de fermento do que este com uma bactéria sem núcleo celular, apesar de ambos serem constituídos por apenas uma célula.
Até recentemente se achava que essa era a divisão básica da vida na Terra. Mas o estudo de um grupo de arqueobactérias (bactérias antigas) revelou que elas eram um grupo à parte pelas suas características químicas e genéticas, recebendo esse terceiro grupo o nome latino de "archaea"
Os extremófilos pertencem a esse grupo exótico de seres vivos.
Uma bactéria é um organismo microscópico de apenas uma célula, que não tem um núcleo distinto e que se reproduz geralmente por divisão celular. São pequenas, na ordem de milésimos de milímetros, e podem viver no ar, no solo, na água ou no gelo. Muitas são causadoras de doenças, como cólera, lepra, tuberculose ou sífilis.
Mas seja o que for que a bactéria faça, como todo ser vivo ela depende, para viver, de uma série de reações químicas, por exemplo para retirar energia do meio ambiente (outra descrição dessa atividade pode ser resumida nas palavras "comer" e "respirar"). E para que tudo isso aconteça, são necessárias "enzimas", das quais um ser humano têm cerca de mil tipos diferentes.
Enzimas são proteínas com propriedades específicas de atuação em reações químicas. Elas agem como catalisadoras dessas reações químicas, aumentando ou diminuindo a velocidade da reação.
É fácil de entender o entusiasmo dos pesquisadores com os extremófilos.
Esses micróbios audazes podem possuir enzimas valiosíssimas. Achá-los é complicado, porém. Eles vivem em locais como fontes de enxofre, gêisers (fontes quentes que fazem erupções periódicas), fendas vulcânicas no fundo do mar ou mesmo no gelo oceânico.
Uma das enzimas atraentes é uma forma resistente da celulase, que tem esse nome por que é capaz de degradar a celulose (uma substância encontrada nos vegetais, usada na fabricação de papéis). A celulase age atacando a celulose no algodão do jeans.
E a versão extremófila seria mais apta a agir no ambiente hostil de uma fábrica de jeans, repleto de detergentes e banhos alcalinos.
Um outro extremófilo potencialmente útil é um capaz de reduzir nitratos em nitrogênio. Fertilizantes à base de nitratos são essenciais à agricultura, mas podem contaminar águas subterrâneas. Um micróbio capaz de digerir nitratos podem ter um papel a desempenhar no combate à poluição.
Os extremófilos por enquanto despertam mais atenção entre os cientistas do que entre as indústrias. Em fevereiro passado foi criada uma revista científica só sobre eles, a "Extremophiles" - uma indicação de que há pesquisadores em todo o mundo em grande número pesquisando o tema.
Mas pelo menos uma empresa dos EUA, a Diversa Corporation, da Califórnia, iniciou projetos com esses micróbios, envolvendo um acordo com o governo para pesquisá-los em uma das fontes mais famosas do país -os gêisers do Parque Nacional Yellowstone.
A Diversa anunciou que já isolou 340 enzimas com aplicações potenciais (a recordista vem de um microrganismo capaz de sobreviver em temperaturas de 113°C.
"Yellowstone é um dos ambientes geotérmicos mais diversificados no planeta, possuindo mais de 80% dos gêisers da Terra", declarou Jay M. Short, vice-presidente da Diversa. E, segundo ele, menos de 1% dos micróbios nos mais de 10.000 pontos térmicos do parque já foram identificados.
A Diversa tem entre seus fundadores alguns dos principais pesquisadores de extremófilos, como Melvin Simon, do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia) e Karl Stetter, microbiologista da Universidade da Califórnia.
Se só em Yellowstone existe todo esse potencial, dá para entender o otimismo dos fundadores da "Extremophiles" com relação às aplicações de sua pesquisa no futuro. Um artigo recente falava sobre as bactérias "barofílicas" (capazes de resistir a extremos de pressão). Foram achadas em um dos locais mais inóspitos do planeta, o fundo dos oceanos.

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