São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997
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JUSTIÇA: QUAL REFORMA?

Há hoje uma sensação generalizada de que a Justiça brasileira é cara, lenta, ineficaz e está sobrecarregada -o que tornaria urgente uma reforma do Poder Judiciário. O tema veio novamente à tona nesta semana, em reportagem publicada por esta Folha, na qual o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, afirma que o STF, diante do excesso de trabalho, se tornará um tribunal inviável dentro de dois anos, ao final dos quais "o Brasil não viverá mais um Estado de Direito".
Em que pese a gravidade da afirmação, a asfixia do Supremo é a ponta mais visível de um quadro de problemas infinitamente mais complexo, o qual, se não for equacionado em toda a sua amplitude, pode tornar a discussão sobre a reforma da Justiça em algo desprovido de eficácia.
Tem sido comum o equívoco de confundir a reforma do Judiciário apenas com a reforma dos tribunais -as segundas instâncias- ou com a do conjunto do sistema. O problema mais urgente, no entanto, parece estar no andar térreo da Justiça -a primeira instância-, no qual a maioria dos casos se resolve. Hoje ela se vê prejudicada pelo desaparelhamento humano e material ou pelo formalismo das normas procedimentais -a burocracia judiciária-, o que, no dizer do ministro do STF Carlos Velloso, "estimula a chicana".
O problema do desaparelhamento humano da Justiça começa pelo recrutamento dos juízes. Hoje há em São Paulo cerca de 25% de cargos vagos, em primeiro lugar porque há poucos concursos públicos, mas principalmente porque a baixa qualificação profissional dos concursados, formados muitas vezes em faculdades de direito que funcionam como fábricas de diplomas, os impede de ingressar na magistratura.
Equipar, pois, a primeira instância deve significar, além da necessária modernização do apoio administrativo destinado aos magistrados -tecnicamente sucateado e provido de funcionários sem preparo-, fiscalizar com rigor as escolas de direito, incrementar os concursos públicos ou mesmo renovar as atribuições das escolas de magistratura, como aliás defendem juízes eminentes.
Para dar maior agilidade à Justiça seria necessário também criar mecanismos de verificação efetiva do trabalho dos juízes, os quais, em muitos casos, descumprem prazos processuais e adiam decisões indefinidamente, sem que tenham de dar satisfação às partes interessadas.
Tal verificação não pode representar, obviamente, uma ameaça à soberania do Poder Judiciário, sem a qual -é quase ocioso dizê-lo- cai por terra o princípio elementar da autonomia dos Poderes da República.
Isso não significa, porém, que as propostas de controle externo do Judiciário, contra as quais há muitas restrições corporativas, devam ser descartadas a priori -pelo contrário. Poderia ser um avanço rumo à democratização da Justiça se um órgão misto -constituído, por exemplo, por juízes, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e membros do Ministério Público- tivesse a prerrogativa de acompanhar a atividade do Judiciário para apurar e eventualmente corrigir casos -infelizmente reais- em que haja erros grosseiros ou demora indevida na condução de processos. É preciso lembrar que nem o presidente da República nem os membros do Parlamento estão imunes a punições previstas em lei -sendo a mais extrema delas a perda do mandato.
Está claro que tais medidas precisam ser discutidas de modo responsável e amadurecidas pela sociedade. O desafio, porém, é inadiável diante dos inúmeros gargalos que emperram o Judiciário, impedindo-o de cumprir aquela que deve ser a sua tarefa maior -assegurar o funcionamento da Justiça. Só enfrentando o problema pela raiz pode-se preservar o STF na plenitude da sua função de guardião da Constituição brasileira.

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