São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 1997
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A história não se repete?

JOÃO SAYAD

Só quem lembra pode repetir ou não repetir. Sem memória, tudo é novo.
Entre 1870 e 1914, a Inglaterra, a França, a Alemanha e os Estados Unidos acreditavam que o câmbio tinha de ser fixo e imutável, e que o governo não podia ter déficit.
O desemprego era resultado de preguiça ou vagabundagem. O comércio internacional e os fluxos financeiros internacionais eram tão importantes quanto hoje. O mundo funcionava sem inflação e sem muitas crises financeiras. Anos dourados do padrão ouro.
Depois da Primeira Guerra Mundial, o mundo mudou.
A Alemanha perdeu a guerra, a Inglaterra, a hegemonia. Os Estados Unidos surgiram como nova potência econômica e política do mundo.
Insistiram no padrão ouro. E repetiram a receita: taxas de câmbio fixas, austeridade fiscal e monetária e azar do desemprego.
Mas o mundo havia mudado. O desemprego passava a ser um problema político. Os países importantes tinham problemas diferentes -a Alemanha e a França tinham medo da inflação, a Inglaterra, do desemprego. Não podiam mais chegar a um acordo e cooperar na hora das crises.
A Alemanha passou por hiperinflação por causa de dívida externa. Quase todos os países sob uma influência foram contagiados pelo mesmo mal -Áustria, Hungria, Tchecoslováquia.
A Inglaterra passou por deflação e desemprego, porque fixou o câmbio muito alto. Os Estados Unidos passam por grande deflação depois de gerar um superávit fiscal gigante, para pagar as despesas de guerra. A França faz déficit público para reconstruir o país, importa mão-de-obra e mesmo assim passa por deflação.
Em outubro de 1929, sempre em outubro, uma crise bancária na Áustria dá início à queda dos preços da Bolsa de Nova York e se inicia a mais longa e mais severa crise de desemprego deste século.
A deflação e o desemprego só começaram a se reduzir depois que Roosevelt abandonou o padrão ouro, no primeiro trimestre de 1933.
Em resumo, o padrão ouro funcionou bem no período antes da Primeira Guerra. E funcionou muito mal entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.
Atualmente, o mundo se organiza com as mesmas idéias da época do padrão ouro.
A sabedoria é a mesma: o governo deve manter o equilíbrio entre receitas e despesas a qualquer custo, o desemprego é resultado de legislação "arcaica", encargos sociais e sindicatos.
Será que a cultura do padrão ouro, que voltou há 20 anos, vai funcionar bem no mundo de hoje?
Será que vai produzir resultados iguais aos do período anterior à Primeira Guerra Mundial ou será que vamos ter os desastres do período entre guerras?
Para funcionar bem é preciso haver colaboração entre os grandes países, financiamento para os emergentes e os salários precisam ser flexíveis para baixo.
Os trabalhadores precisam esquecer do passado -aposentadoria, direitos trabalhistas e as garantias de serviços de saúde, educação e transporte público- e acharem de fato que o novo mundo contemporâneo é o melhor dos mundos.
A política monetária americana e européia tem conseguido obter esse doloroso resultado.
Mas a greve da UPS, a United Parcel Service, é tida como uma vitória para os sindicatos americanos e pode representar mudança na tendência de desorganização dos movimentos trabalhistas. Só o tempo mostrará.
A crise de Hong Kong e as dificuldades da Coréia também são novidades recentes que podem atrapalhar o financiamento para os países subdesenvolvidos.
Se nenhum destes problemas novos atrapalhar, é possível que o sistema atual mantenha a inflação muito baixa, crescimento lento e desemprego alto.
Estaríamos em período semelhante ao período entre 1873 e 1914, chamado a Grande Depressão dos anos 70. Período de grandes invenções -vapor, trem, eletricidade etc.- e pouco crescimento.
Se os trabalhadores criarem problemas políticos, ou os bancos centrais importantes não conseguirem coordenar as políticas cambiais para evitar grandes variações cambiais entre as suas moedas ou se o financiamento dos países emergentes ficar muito escasso, ficaremos mais parecidos com o período entre 1918-1930.
Se esquecermos o passado e continuarmos acreditando alegremente que tudo é novo e muito bom, o processo de aprendizagem será doloroso.
Os problemas dos anos 30 foram resolvidos com o talento de um Keynes, um Roosevelt e um Churchill.
Custaram uma longa recessão, muito desemprego, uma guerra mundial, um holocausto, um Mussolini e um Hitler.

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