São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 1997 |
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Chico Buarque canta e fala pela Mangueira
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
Destinado a angariar fundos para a escola -inclusive para a constituição de um Centro de Memória da Mangueira-, o projeto é produzido por Hermínio Bello de Carvalho (leia texto nesta página). A única canção inédita é "Chão de Esmeraldas", parceria -também inédita- entre Chico e Hermínio. O poema apresentado pelo segundo levou o primeiro ao incomum ato de colocar melodia numa letra já pronta. Chico falou à Folha no último sábado, no Rio, sobre Mangueira, criatividade, política e o livro de Caetano Veloso. * Folha - Em que medida um projeto como esse da Mangueira retarda o lançamento de um próximo disco de Chico Buarque? Chico Buarque - Não posso nem botar a culpa nesse disco, não seria honesto. Eu estaria lançando agora também um disco meu. Não vou por incompetência. Não foi nem tempo que faltou, foi assunto. Folha - Você parece cada vez ter menos pressa de lançar novos trabalhos. Por quê? Chico - Pressa eu não tenho. Desejo, sim. Gostaria de lançar, mas com pressa não vale a pena. Folha - Isso implica um distanciamento seu em relação à música? Chico - Implica. À medida que você vai compondo, não quer repetir o que já está feito. Parece que já fez tudo, cada vez é mais custoso. Há sempre uma pressão interior. Se me cansar da música, escrevo um livro, mas preciso estar criando. Senão não vou ser feliz. Folha - Com que intensidade você é mangueirense? Chico - Sou mangueirense desde criancinha, como dizem os torcedores. Garoto, já cantava: "Mangueira, teu cenário é uma beleza...". Achava que era "teu senado é uma beleza". Folha - Desde sua geração, houve uma queda de qualidade de compositores na MPB? Chico - Gente nova há, a permanência é que é difícil de prejulgar. Os compositores hoje parecem mais próximos da letra, é engraçado. Acho, como dizia o Nelson Cavaquinho, a música mais importante que a letra. Folha - Mesmo os bons letristas não são raros hoje? Chico - Tenho lido letras muito boas. Li uma do Chico César que é uma maravilha, falando dos olhinhos do gravador, da cigana lendo a mão do Paulo Freire. Só li a letra. É de alta qualidade. Folha - Aquela necessidade de ruptura que acompanhava sua geração deixou de existir? Chico - Uma ruptura no momento, não vejo. Mas é claro que vai chegar um momento em que aparecerá alguma coisa que -tomara- me enterre de vez (ri). Folha - Parece haver uma desaceleração nesse processo de superação. Isso não faz com que os artistas de sua geração se tornem mitos cada vez maiores e passem a criar menos, a ficar mais preguiçosos, desacelerando junto com eles seus sucessores? Folha - Não vejo preguiça nisso. Poderia até ser, mas me sinto tão criativo quanto há 30 anos. Hoje escrever uma canção me custa mais que fazer dez há 30 anos, mas o resultado, para mim, é positivo. Folha - Questões políticas e sociais se tornaram menos importantes na sua música com o tempo? Chico - Músicas diretamente políticas hoje não estou sentindo necessidade de fazer. As com temática social sempre são feitas. Folha - Com menos impacto... Chico - Sem dúvida. O papel do artista na ditadura é superdimensionado. Não tenho a menor nostalgia disso. Folha - O governo FHC pode estimulá-lo a criar canções políticas? Chico - Uma canção frontalmente de oposição, não. Não é o caso. Na época do Médici, eu queria o fim da ditadura. Hoje não quero derrubar governo nenhum. Folha - Você leu o livro de Caetano? Qual a sua impressão? Chico - Estou lendo. Estou gostando muito, até discordando de algumas coisas. A forma como ele vê Augusto Boal me pareceu um pouco injusta. Ele vê um sectarismo do Boal, eu vejo só uma surdez musical brutal. Páreo para o Boal, só o Zé Celso (ri). Folha - Chico Buarque escreveria um livro como esse de Caetano? Chico - Acho difícil. Normalmente, quando sento para escrever, me sinto um ficcionista. Quem sabe, quando chegar ao final do livro, fale: "Ah, não. Vou contar o lado B dessa história". Texto Anterior: Realizadores organizam torcida Próximo Texto: Saudade do passado quase ofusca nobre intenção Índice |
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