São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 1997
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A mulher do padeiro

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Não sou bom em estatística nem tenho saco para pesquisas profundas. Mas acredito que nos últimos tempos vivemos na dependência de pacotes, alguns batizados com nomes extravagantes, outros anônimos, como esse baixado no início da semana. Pela minha precária contabilidade, devem ser uns dez, pelo menos.
Pacote, por definição, deveria ser emergencial, mas são tantos e tais que eles se encadeiam, entram uns dentro dos outros, como aquelas bonecas de madeira vendidas na Rússia.
Donde podemos concluir duas verdades: há um governo procurando um povo, e há um povo procurando um governo.
Na última eleição, o povo foi na conversa de um candidato que prometia saúde, educação, emprego, enfim, esses penduricalhos sociais que FHC, depois de eleito, exorcizou como entulho da era Vargas. Barateando frangos e dentaduras, ele acha que tudo vai bem, o povo tem sempre a opção de comer brioche à falta de pão.
E brioche, se não pode vir de Paris pela Internet em versão virtual, pode vir congelado. Há microondas à beça para esquentá-lo. Ótimo para as mulheres dos padeiros de lá. As de cá que se virem no bonde Alegria (por lembrar aquela marchinha de Carnaval, sinto certa tristeza por não haver mais bonde nem rua Alegria: ela virou rua Cônego Olympio de Mello, com ipsilone e dois elles mesmo).
Se o povo procura um governo, o governo continua em busca de um povo que jogue na Bolsa as economias que não tem, que acompanhe diariamente (ou horariamente) os complicados índices de cidades estranhas que somente os incluídos sabem onde ficam.
Há três anos, o governo de FHC trata o povo como um especulador capaz de lucrar com as ações da Samsung ou a fusão das ações preferenciais de uma aciaria de Cleveland com uma mina de bauxita no ex-Congo Belga.
(Voltando à mulher do padeiro: ela só viajava no bonde Alegria, cantava e pulava, e o padeiro não sabia).

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