São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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Vencendo a tormenta ou descendo aos infernos?

MARIO VITOR SANTOS

O assunto levantado aqui há uma semana provocou, dentre várias manifestações, duas reclamações. O leitor Sylvio Pinho questionou com ironia: "Será que além desse transcendental assunto (a autoria de um poema erroneamente atribuído a Jorge Luis Borges) levantado em fevereiro, vocês não têm mais nenhuma resposta de leitor pendente?"
Também o leitor Fernando Di Giorgi sentiu-se frustrado. Disse ter procurado a coluna com o desejo de se informar sobre uma avaliação das discussões entre articulistas econômicos a respeito da crise cambial, pacote fiscal, razões da vulnerabilidade etc.
Como não poderia deixar de ocorrer numa sociedade democrática, qualquer evento suscita interpretações conflitantes, inclusive a respeito da maneira como a imprensa acompanha as ações do governo na área econômica.
O jornalista Aloysio Biondi, que escreve na Folha às quintas-feiras, é um dos mais críticos em relação ao comportamento da mídia, que ele considera ter apoiado em bloco a estratégia econômica do governo Fernando Henrique Cardoso até agora. Eis um trecho do que Biondi escreveu em seu último artigo:
"(...) Nos últimos três anos houve unanimidade cega, 'carta branca total' ao presidente e sua equipe por parte de formadores de opinião -de jornalistas e líderes empresariais. Por isso mesmo, por causa dessa 'lavagem cerebral', a opinião pública assistiu, inerte, o país caminhar para o desastre. Não. Não é hora de 'unanimidade' burra, mais. É hora de debater. Questionar. Fazer análises corretas, utilizando estatísticas. Informar a sociedade. E, principalmente, abrir espaço para as vozes discordantes: nos últimos três anos, elas foram expulsas dos meios de comunicação".
É interessante notar que as relevantes mudanças econômicas havidas nos últimos anos na economia brasileira realizam um conjunto de princípios defendidos há anos em coro pelos editoriais dos principais veículos de comunicação do país, quais sejam, a abertura da economia a produtos e empresas estrangeiros, a venda de empresas estatais, prioridade para a manutenção do controle sobre a taxa de inflação, reforma do Estado como via de modernização da economia do Brasil. A agenda do governo concretiza prioridades defendidas pela mídia ao longo dos últimos anos.
Há críticas vindas da direção oposta à de Biondi. Na edição de sexta-feira, Mailson da Nóbrega reprovava a manchete do dia anterior ("Bolsa cai 10% apesar do pacote"). De acordo com o ex-ministro da Fazenda, "na interpretação dos autores do título da Primeira Página desta Folha , o pacote se destinava a elevar os índices da Bolsa. O efeito deve ser exatamente o oposto". E prossegue: "Para o observador atento, o pacote é um conjunto de medidas emergenciais, que por isso mesmo ainda não mudam o regime fiscal, mas podem trazer impactos significativos sobre os resultados fiscais de curto prazo." Mailson é menos cético do que a Folha , portanto.
Ao final de seu artigo, diz o ex-ministro: "Criticar, que é preciso, não exige apenas sugerir alternativas. Pede sobretudo conhecimento".
Para examinar o comportamento da Folha nessa cobertura complicada, num momento tão grave, conversei com a secretária de Redação Eleonora de Lucena, que já foi editora de Economia do jornal.
*
Pergunta - O jornal não exagerou ao destacar os aspectos catastróficos da crise, como diz o Mailson da Nóbrega?
Resposta - Não, de fato a crise é muito forte. Desde meados do ano, quando surgiram problemas nos países do Sudeste Asiático, tínhamos a avaliação de que a crise era grave, de que ela poderia repercutir no Brasil de maneira séria, em função da maneira como o país hoje está ligado à economia internacional. Resolvemos dar destaque, embora naquela ocasião o governo negasse que a turbulência na Ásia pudesse atingir o Brasil. Quando aconteceu o crash global, no fim do mês passado, ficou exposto o grau de importância da crise.
Pergunta - O ex-ministro Mailson considera que a Folha não entendeu o pacote, que avaliou-o com base no comportamento das Bolsas, o que pode ser enganoso.
Resposta - Eu discordo da premissa de que o pacote e o movimento da Bolsa estão dissociados. A Bolsa é um termômetro das expectativas. O pacote foi lançado para sinalizar que o governo estava tomando medidas para controlar a situação fiscal e das contas correntes. Houve repercussões do pacote em várias áreas, inclusive nas Bolsas. Cabe ao jornal estabelecer relações. Não cabe fazer torcida, nem para o lado dos que acham que o mundo vai acabar, nem para o dos que acham que a crise já foi superada.
Pergunta - Na minha opinião, o jornal exagera no tom, como se estivéssemos na ante-sala da catástrofe. Subestima as possibilidades de manobra existentes. Deveria ser mais contido, diante de muitos elementos indefinidos.
Resposta - Nossa obrigação é dimensionar corretamente os acontecimentos. Pela Folha , o leitor ficou com uma idéia muito precisa do que está acontecendo.
Conseguimos, com o caderno especial no dia seguinte ao anúncio do pacote, explicar tanto as razões como os objetivos das medidas. Nessa cobertura foi possível estabelecer a ligação entre um fenômeno aparentemente longínquo e a vida concreta dos leitores. Realizamos um esforço especial de didatismo e de jornalismo de serviço. Agora, se a crise é grave, a função do jornal é democratizar essa informação. A turbulência acaba tendo reflexos mais sérios no Brasil por conta do modelo que está sendo implantado no país.
*
Por esse raciocínio, chega-se então ao questionamento mais de fundo, levantado por Biondi e outros: "O modelo que está sendo implantado no país". A crise atual é o primeiro grande abalo por que passa esse modelo, até agora abonado pela unanimidade da mídia no Brasil.
O governo decretou medidas protecionistas. Parece agora convencido de que tem que administrar de modo a impedir a explosão da bomba-relógio do déficit externo. Montou um ajuste fiscal de emergência que em grande parte dispensa autorização do Legislativo, diferentemente do que se informava até agora, com o apoio da opinião de toda a mídia nacional.
Como sempre acontece no debate relativo à informação econômica, só a posteriori é possível saber qual das avaliações é a correta. Por ora, reconhecendo a nítida vantagem da Folha na cobertura da crise, eu criticaria apenas a tendência à precipitação "desastrista", vertente do sensacionalismo na área político-econômica. Sem falar que, de carona na emergência, tenta-se impor um conjunto de medidas que terão sérias repercussões para a economia do país.
Invasão
Por falar em sensacionalismo, merece críticas a publicação, na edição Primeira Página da Folha de quinta-feira passada, de foto de Paulo Henrique Cardoso e Thereza Collor, com insinuações de que ambos estariam "juntos".
É constrangedora a invasão da privacidade de um cidadão como Paulo Henrique, apenas em razão de ele ser filho do presidente da República. Também em relação a Thereza Collor deveria ser guardada uma atitude de discrição. É um direito de ambos.
Ao jornal "O Globo", que também destacou o "namoro" na capa, Paulo Henrique declarou: "Não sou homem público, não fui eleito. É uma questão de privacidade. Não tenho de falar com ninguém sobre isso".

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