São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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Governo paga 'ágio' de 24.800% por terra

BERNARDINO FURTADO
ENVIADO ESPECIAL A SÃO LUÍS E CUIABÁ

O governo federal está recomprando para reforma agrária terras que eram públicas nas décadas de 70 e 80, pagando agora uma valorização de até 24.801,03% sobre o preço pelo qual essas áreas foram vendidas a empresários.
Essas terras estão localizadas na chamada fronteira agrícola, áreas remotas das regiões Norte e Centro-Oeste, que os governos estaduais e federal imaginaram desenvolver destinando-as a grupos empresariais. Agora estão sendo consideradas improdutivas.
É o caso da fazenda Promasa (Proteínas do Maranhão S/A), no município de Santa Luzia do Tide (MA). Em setembro de 1979, o governo do Maranhão, por meio da estatal Comarco (Companhia Maranhense de Colonização), vendeu o terreno de 4.498 hectares (quase duas vezes e meia o arquipélago de Fernando de Noronha) a sócios do grupo pernambucano Meira Lins.
Em assembléia de acionistas, realizada em 28 de agosto de 82, a Promasa contabilizou a fazenda por R$ 7.428 (valor atualizado).
Em 28 de agosto de 95, o Incra propôs o pagamento de R$ 1.849.649 pela mesma propriedade, para fins de desapropriação.
Em 30 de março de 82, a Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) aprovou a liberação de Cr$ 125,4 milhões (R$ 1.756.289, hoje) do Finor (Fundo de Investimento do Nordeste) para a implantação do projeto agropecuário da Promasa.
Todos os valores usados nas comparações são resultado de correção monetária conforme método prático usado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para corrigir débitos judiciais.
Desenvolvimento
O acesso aos recursos do Finor, provenientes da renúncia da União a parcelas do Imposto de Renda devido pelas empresas, e o preço baixo das terras foram concedidos pelos governos federal e estaduais sob a justificativa de levar o desenvolvimento econômico a regiões remotas do país.
Essa política é lembrada pelos advogados da Cacique Agropecuária e Industrial do Maranhão S/A no documento em que protestam contra o valor da indenização proposta pelo Incra para os 42.303,52 hectares das fazendas Cacique e Tucumã.
"Por volta de 1979, atendendo a insistentes e veementes apelos do governo do Maranhão para que viessem colaborar com o desenvolvimento agropecuário do Estado e acreditando na categórica promessa de total apoio logístico, grandes incentivos fiscais e outros mais, os suplicantes (os donos da Cacique) adquiriram os imóveis objetos deste processo."
Em 13 de janeiro de 1993, uma perícia assinada pelo técnico do Incra Osvaldo de Souza Ribeiro constatou que a mata primitiva da Tucumã estava reduzida a 35%, e a da Cacique, a 30%, correspondendo aproximadamente ao limite mínimo de reserva legal de preservação.
Apesar disso, Graccho Bolivar Pinheiro da Silva, perito judicial, avaliou em 10 de outubro de 95 as reservas florestais das duas fazendas em R$ 56.202.583.
O ipê, árvore abundante no Maranhão até o início da década de 90, cotada a R$ 50 o m3 em estado bruto, atraiu outras grandes empresas, como o grupo cearense Edson Queiroz, maior distribuidor de gás de cozinha do país, a Varig e a madeireira paranaense Cikel, que também tiveram as terras desapropriadas pelo Incra em 95 e 96.
Num caso raro de reprovação dos projetos agropecuários em terras que vendeu a particulares, o Estado do Maranhão tentou anular a escritura passada em 9 de setembro de 1986 a Fernando Antônio Brasileiro de Miranda Júnior da fazenda Santo Antônio, de 2.624,49 hectares. Na ação judicial, os advogados do Estado 0alegaram que, além de não ter cumprido a exigência de investir na produção agropecuária, Miranda Júnior devastou as florestas da fazenda.
Em 12 de dezembro de 88, o Incra propôs ação de desapropriação da Santo Antônio. O Tribunal de Justiça do Maranhão julgou improcedente a ação do Estado contra Miranda Júnior. Em 13 de fevereiro de 97, o fazendeiro recebeu R$ 7.001.394,59 (valor da época) em TDAs (Títulos da Dívida Agrária) a título de indenização pela desapropriação da Santo Antônio.
No Tocantins, onde o Ministério Público Federal estourou no início de 97 um esquema de superfaturamento de terras desapropriadas para reforma agrária, dos 33 processos em que foram achadas irregularidades, 13, representando 25 mil hectares, referiam-se a áreas públicas vendidas a particulares entre 82 e 85. Desses, oito terrenos eram da União e foram "privatizados" pelo Incra entre 82 e 85.

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