São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 1997
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Debate aponta risco à liberdade de expressão

LUIZ CAVERSAN
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO

Os recentes episódios que resultaram na prisão dos músicos do Planet Hemp e em restrições aos shows dos grupos Rappa, Pavilhão 9 e da cantora Fernanda Abreu compõem um quadro de ameaça à liberdade de expressão no país.
Essa é a principal conclusão do debate "SOS Liberdade de Expressão", realizado anteontem, no Rio, e do qual participaram cerca de 200 pessoas, entre artistas, intelectuais, profissionais liberais e jovens estudantes, estes a maioria.
Na mesa de debate, coordenado pela jornalista Astrid Fontenelle, estavam o escritor Wally Salomão, o videomaker Marcelo Tas, o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), o vocalista do Barão Vermelho, Roberto Frejat, e a cantora Fernanda Abreu. Na platéia, entre outros, os atores Pedro Cardoso, Stephan Nercessian e Maurício Branco, o artista plástico Gringo Cardia e os políticos Alfredo Sirkis (ex-vereador) e Carlos Minc (deputado estadual do PT).
A cantora Fernanda Abreu relatou episódio vivido em São Paulo em que um juiz de menores quis ler antecipadamente as letras das músicas que ela iria cantar, para liberar seu show. Para ela, uma agressão à liberdade do artista.
"Nasci em 61, vivi a ditadura militar e agora que se pode discutir temas como aborto, drogas, homossexualismo e Aids, há uma elite reacionária que age contra. Queremos liberdade para tudo, para debater da nega fedorenta da letra do Tiririca à maconha. A discussão é necessária para as pessoas se orientarem."
Para Wally Salomão, "é um absurdo um chefe de polícia (referindo-se ao diretor da Polícia Federal Vicente Chelotti) dizer se uma letra de música é boa ou ruim. Da mesma forma, um ministro caipira e político sagaz (o ministro Iris Rezende, da Justiça) não pode julgar a qualidade estética a partir de critérios da maioria silenciosa".
Com relação à maconha, tema que acabou predominando nos debates, Salomão defendeu a mudança da legislação que pune o usuário. "Legalize já é uma campanha que deve ser colocada na rua. A lei não é feita para sempre, é para ser aperfeiçoada em consonância com a evolução dos costumes. É preciso separar a maconha do álcool e das drogas pesadas."
Salomão relatou experiência pessoal vivida nos anos 70: "Fui preso em São Paulo, quando morava com a Gal Costa, com uma baganinha no bolso. Fui levado para o Carandiru! Essa experiência foi decisiva na minha carreira de escritor. Aliás, a música 'Vapor Barato' é dessa época. Senhor ministro, o sr. deveria investigar essa música que a Gal canta hoje, porque ela é muito suspeita".
Marcelo Tas defendeu a necessidade de aprimorar a capacidade de discernimento das pessoas. "Hoje estamos numa época confusa, as questões são muito mais sutis. Por isso, é preciso saber discernir melhor as coisas."
Na opinião de Roberto Frejat, "há choques de conceitos e discursos neste final de século de transformações. Por isso, o mais importante é a liberdade de discussão. Mas há uma lei que diz que a discussão é crime, é apologia das drogas! Temos o artista cuja prova do crime é o show dele. A situação já é caótica e precisamos criar instrumental para reagir a essa fatia reacionária da sociedade".
Fernando Gabeira propôs -o que foi apoiado pelos debatedores e por parte expressiva da platéia- a criação de comitês de defesa da liberdade de expressão. "Precisamos ter capacidade de reação, de pressão política e de ação legal."
Frejat lembrou que só foi possível a libertação dos músicos do Planet Hemp por causa da articulação de políticos e artistas. "Se não fosse isso, eles estariam presos até agora." O comitê terá o nome "SOS Liberdade de Expressão" e poderá ser contatado por meio da página do deputado na Internet (http://www.gabeira.com.br).
Nazismo e racismo
Ela quis saber dos debatedores como seria possível defender a descriminação da maconha sem defender também outros temas, como o racismo e o nazismo.
A resposta foi dada por Frejat e Gabeira, que concordaram ao afirmar que fumar maconha seria uma liberdade de opção pessoal, "do indivíduo fazer o que quiser com ele mesmo", enquanto o nazismo e o fascismo "são posturas segregacionistas", além de "crimes previstos na Constituição".
"Permitir o racismo seria como legalizar a maconha e tornar criminosos todos os que não fumassem", afirmou Frejat.

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