São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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O outro saco de maldades

CELSO PINTO

Agora que o governo já usou boa parte do saco de maldades que tinha contra o mercado, muita gente se pergunta se o mercado já usou todo o seu saco de maldades contra o governo. Faria sentido, ou seria viável, especular contra o Brasil?
A pergunta não é retórica. Na crise das últimas semanas, alguns fundos especulativos tentaram a sorte, apostando (leve) no mercado futuro de dólares. Outros andaram indagando a bancos de investimentos mais sofisticados quais seriam as opções para comprar dólares com reais, ou seja, apostar que uma desvalorização futura exigiria menos dólares para repagar os reais no final da operação.
Essa é a essência de uma operação especulativa contra a moeda de qualquer país. É claro que nenhum especulador iniciaria um ataque num ambiente de tranquilidade. Na hipótese de haver novas instabilidades no futuro, contudo, um eventual movimento especulativo, se bem-sucedido, poderia levar a bruscas perdas de reservas, jogando gasolina na fogueira das expectativas.
O Brasil estaria vulnerável a um movimento desse tipo? Não há consenso. O que se segue são as visões opostas de dois experientes banqueiros.
Não existe qualquer problema, hoje, para fazer operações de compra futura de dólares, no exterior, em bancos privados, usando reais como referência. O problema é que o banco que banca o risco da desvalorização tem que se cobrir aqui, ou comprando posições de dólares nos mercados futuros, ou comprando papéis do governo indexados ao dólar.
Se houver a desvalorização, quem comprou dólares com reais lá fora ganha (paga menos dólares no final). Quem bancou não perde, porque fez operação idêntica aqui. No entanto, ele pode ter um problema fiscal: o lucro fica no Brasil, o prejuízo no exterior e ele pode não ser compensável.
Além disso, seja no vencimento da operação no mercado futuro, ou no resgate do título cambial, ele vai receber reais. Terá que trocá-los por dólares para remeter para fora e aí existe um risco. Se a desvalorização tiver ocorrido num ambiente caótico, com perda de reservas, pode haver escassez de divisas e abrir-se um ágio no mercado de câmbio flutuante, por onde o dinheiro seria remetido. Se o ágio for grande, o lucro se vai.
Por essa razão, um dos banqueiros acha que o risco de especular é alto demais. O custo também. Supondo que a desvalorização se mantenha em 7,5% ao ano, o custo implícito numa operação futura de dólares no Brasil era, antes da crise, de 3% a 4% ao ano. Hoje, com os juros estratosféricos, chega a 14%. Mesmo supondo que a desvalorização poderia ser maior do que isso, a aposta ficou cara.
O outro banqueiro contra-argumenta que existem alternativas de fazer toda a operação lá fora, ou seja, de remeter antecipadamente os dólares. Como? Ele diz que, no limite, como os passivos em dólares, via déficits em conta corrente, chegaram a US$ 70 bilhões nos últimos anos, e as reservas são de US$ 50 bilhões, sempre há uma maneira de transformar o passivo novamente em dólares e mandá-los para fora.
Dois exemplos. Existem US$ 3,7 bilhões (final de setembro) em aplicações externas em fundos de renda fixa no Brasil (Anexo VI). É possível "alugar" a posição de alguém e remeter o dinheiro para fora. Quem alugou promete pagar o rendimento que o investidor teria no Brasil, mais um prêmio, que hoje seria de uns 2% ao ano, pelo aluguel.
Ao final, o especulador pagaria lá fora, em dólares, ao investidor aqui o equivalente a sua aplicação em reais mais o prêmio. Se houvesse a desvalorização, o especulador pagaria menos dólares.
Outra opção seria usar posições de Adiantamentos de Contratos de Câmbio (ACC) de exportadores daqui. Garantindo ao exportador a remuneração que ele teria aqui, em reais, mais um prêmio, seria possível pré-pagar a operação, remeter os dólares e fechar o negócio lá fora. Não é simples, mas seria factível.
Nos dois casos, o especulador geraria dois efeitos desejados: provocaria um baque nas reservas e especularia contra o real tendo os dólares lá fora, não aqui. Outro banqueiro acha que o melhor ataque seria via títulos brasileiros no exterior. Explico em outra coluna.
A conclusão não é que um ataque é inevitável ou que, se acontecer, necessariamente será bem-sucedido. É apenas que o saco de maldades do mercado ainda não está vazio.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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