São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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Brasileiro errante quer milagre pelo Irã

SÉRGIO TEIXEIRA JR.
DA REPORTAGEM LOCAL

Técnico da seleção do Irã há uma partida e 16 horas líquidas de trabalho, segundo suas próprias contas, o brasileiro Valdeir "Badu" Vieira jogou tudo nas mãos de Deus -ou de Alá, segundo os torcedores locais.
Para ele, só um milagre vai fazer com que o time que assumiu há 14 dias vença a Austrália na disputa pela última das 32 vagas para a Copa do Mundo da França.
Para o primeiro jogo da repescagem, amanhã, em Teerã, ele vai estar desfalcado do único craque que identificou na equipe.
Karim Baghari, que vai cumprir suspensão automática por ter sido expulso na fase anterior das eliminatórias, é "um misto de Dunga e Leonardo, um meio-campista que saber marcar e armar jogadas".
Apesar do desfalque, ele afirma que vai escalar três atacantes. "Não tive tempo de treinar. Meu negócio é motivar os jogadores." Vieira dirigiu a equipe apenas uma vez, na partida em que o Japão se classificou para o Mundial.
'Aventura'
O técnico parece ter saído de uma célebre propaganda de cartão de crédito. A frase "Teerã amanhã? Claro" serve para ilustrar como sua carreira se desenrolou desde 1964, quando deixou o Brasil. O Irã é o 13º país em que atua, como jogador ou treinador.
Jogou em pequenos times paulistas e gaúchos e, aos 21 anos, foi para o Uruguai, início de sua carreira internacional. Tornou-se técnico no meio do caminho. Desde então, trabalhou em todos os continentes, menos a Oceania (veja quadro nesta página).
Vieira é casado há 25 anos com uma alemã. Seus pais estão em Campo Grande (MS) e não sabem que o filho trabalha no Oriente Médio. "Com essas notícias de porta-aviões vindo para cá (por causa da tensão entre o vizinho Iraque e os EUA), eles iriam desmaiar. Eu digo a eles que estou na Alemanha."
Ele fala cinco línguas -português, espanhol, francês, italiano e alemão. Com um pequeno sotaque francês, ele deu a seguinte entrevista à Folha, por telefone, do bar do hotel Esteghlal, no centro da capital iraniana, onde está morando.
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O ATUAL EMPREGO
Quando estava negociando para ser técnico da seleção do Canadá, o Irã foi jogar um amistoso lá. Numa conversa entre diretores das duas federações, os próprios canadenses me indicaram.
Minha mulher e eu gostamos muito de viajar. Não trabalho mais por dinheiro. Posso escolher onde trabalhar. Queríamos viver justamente aqui, na Ásia, que é o que nos faltava.
A proposta foi feita para assumir a seleção olímpica, mas eles mesmo me disseram que estavam só esperando para demitir o técnico anterior. No último jogo das eliminatórias, o Irã perdeu para Qatar por 2 a 0. Naquele domingo mesmo, peguei o time, sem ter qualquer participação na escolha dos jogadores.
Em cinco dias, treinamos seis horas para enfrentar o Japão. Nesta semana, são dez horas. Eu conto em horas. Sou técnico do Irã com 16 horas de trabalho.
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O ADVERSÁRIO
Para ganhar da Austrália, só um milagre. Os jogadores estão em campeonatos de alto nível (cinco titulares jogam na primeira divisão da Inglaterra). E tem o fato de eles terem contratado um treinador caríssimo (o britânico Terry Venables, ex-treinador da seleção inglesa e do Barcelona).
Aqui, o campeonato tem só 12 clubes, e os campos são horríveis. O que inspira a "boleirada" aqui é o público. Para o jogo de sábado, às 15h30 (10h em Brasília), já vai ter gente dentro do estádio na sexta-feira. Vai ter 130 mil pessoas assistindo.
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A TÁTICA
A Austrália joga o futebol britânico. Muito cruzamento. É um pessoal de estatura avantajada. Nós temos um só de 2 metros, que fez um gol de cabeça contra o Japão.
Vamos colocar a bola no chão e entrar com três atacantes, para enganar. Todo mundo por aqui joga no 3-5-2. O Irã vai para cima.
Isso apesar de estarmos sem o melhor jogador, Karim Baghari. Esse menino é 40% do meu time. É mais fácil a gente ganhar em Melbourne, porque aí ele volta.
Mas o pessoal está empolgado, e isso é o que importa. O time jogou muito bem contra o Japão. Os jogadores são bons, e você não pode impedir que o talento deles apareça. No fim das contas, quem ganha é o jogador. Eu só dou idéias. Como a imprensa diz, eu cheguei a essa festa tarde e estou ajudando.
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O PAÍS
Até hoje eu nunca tinha me interessado porque havia muita guerra, muito problema. Estamos há 15 dias aqui.
Teerã é uma das cidades mais bonitas que já vimos até agora. No Brasil só há notícias de revolução (liderada pelo aiatolá Khomeini, instaurou em 1979 o regime islâmico), guerra contra o Iraque. Não estou exagerando: isso aqui é Paris, como arquitetura de cidade, como limpeza.
A vida aqui para mim é um paraíso. Eu aqui sou rei. E seria assim mesmo que eu não fosse conhecido. Eles são muito hospitaleiros.
Hoje (ontem) tive de sair do treino com escolta policial. Havia mais de 16 mil torcedores no treino, mais uns 500 esperando a equipe no hotel, onde eu estou morando e a equipe está concentrada.
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OS COSTUMES
A maior dificuldade é que aqui minha mulher não pode trabalhar comigo, porque no Irã, mulher não pode entrar no estádio de futebol. Ela sempre vai ao campo comigo e, por onde eu passo, faz um trabalho paralelo. Dá aulas de aeróbica para os jogadores, ensina culinárias para as mulheres deles.
Mas os dirigentes já deram a entender que, se o Irã se classificar, pode acontecer alguma mudança.
E o presidente (Mohammad Khatami) está comigo. Em discurso esta semana, ele pediu que a população rezasse por mim.

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