São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997
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São Paulo, São Paulo

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Uma bolha acinzentada e espessa envolve a cidade, o desordenado empilhar de edifícios esfarelados, sem pintura, enfeitados por varais de camisetas, amontoados ao longo de ruas irregulares, calçadas incompletas, faixas para pedestres derretidas pelo sol.
O táxi pára, já próximo ao centro. Meninos feios atravessam a avenida correndo. Um negro desacordado cobre-se de papelão no canteiro central. Um outro, louco, baba a barba retorcida e gesticula mecanicamente.
São Paulo, my love, o que está acontecendo?
Talvez como nenhuma outra cidade, a capital bandeirante manifeste as contradições do Brasil pós-real. A potência industrial, a cidade que não pode parar, a locomotiva do país. Imagens de um modernismo que ecoa anacrônico, legendas de uma época -a do trabalho, da indústria, do progresso- que parece ficar para trás.
Os tempos não são modernos, não há mais Chaplin nem bandeiras, operários e engrenagens vão sendo trocados por chips e robôs, e o imperativo da eficiência globalizada fecha portas para as massas de emigrantes que ainda afluem a esse futuro ilusório -São Paulo, a cidade que não existe mais.
A megalópole carrega o maior índice de desemprego do país -cerca de 16%, mais de 1 milhão de pessoas, sem contar os que apenas se viram com salários de fome.
Não bastassem os problemas impostos pelo consensual, mas duvidoso, modelo econômico, a cidade deteriora-se à sombra de duas administrações temerárias e incompetentes.
Sob os olhos e os sorrisos bocós da classe média, o prefeito Paulo Maluf raspou o caixa e aumentou o endividamento para catapultar-se a uma inalcançável Presidência da República. Abriu buracos e pavimentou o próximo engarrafamento. Prometeu mundos e fundos e deixou em seu lugar o vácuo de gravata.
Passear pela cidade é, hoje, uma incursão depressiva. O trânsito infernal, a imundice nas ruas, as praças tomadas pelo matagal, os miseráveis sob as pontes, a violência iminente rondando as esquinas.
São Paulo conseguirá realizar e sair incólume da transição de um clássico centro industrial para uma nova cidade pós-industrial, informatizada, geradora de serviços?
É difícil dizer. O fato é que a Londres tupiniquim de Mario de Andrade ou a animada Nova York de taipa da década de 80 vai-se transformando cada vez mais numa monstruosa tradução urbana da tragédia das periferias. Um favelão latino-americano, em suma. Com diminutas ilhas -ou fortalezas- de bem-estar e ilusão.

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