São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997
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Fogueira de cueca salva brasileiros em enduro

Prova aconteceu na Nova Zelândia

ANGÉLICA BANHARA
ENVIADA ESPECIAL À NOVA ZELÂNDIA

Na semana em que o país se preocupava em desvendar as medidas do novo pacote econômico, um grupo de brasileiros liderados pelo dono de uma corretora de valores arriscava técnicas para se aquecer queimando cuecas e meias no topo de uma montanha nevada no sul da Nova Zelândia.
Pela primeira vez, uma equipe brasileira -a Fundos Síntese- participou do Southern Traverse, um enduro de resistência que acontece na região de Otago, perto de Queenstown -considerada a capital mundial dos esportes radicais. A prova é uma das mais famosas competições multiesportivas do mundo (veja quadro).
Longe de serem atletas profissionais, o grupo é formado pelo administrador de empresas Alexandre Henrique Freitas, 35, Eduardo Coelho, 29, empresário, Flávio Antonio Farace, 39, administrador de renda, Flávia de Barros Marcondes, 34, arquiteta e pelo americano Joseph Escobar, 30, mestrando de administração de empresas. O time contou com uma equipe de apoio de cinco pessoas.
A competição aconteceu entre os dias 10 e 14. Para a equipe, que se preparou para uma prova técnica, foi um verdadeiro teste de sobrevivência, com ventos de até 90 km/k, neve e temperatura de até -12°C.
A primeira parte da prova, corrida em montanha, custou à equipe brasileira cerca de 50 horas e 71 km. Tudo começou com a aposta incorreta na leitura do mapa. "Foi um erro de estratégia. Para evitar iniciar uma escalada à noite, optamos por subir uma montanha mais próxima", contou Freitas.
A caminhada havia começado às 11h de segunda. A primeira pausa foi mais de 16 horas depois, às 3h30 de terça, a cerca de 1.300 m -a montanha tinha cerca de 1.800 m.
"Não havia lugar plano. Dormimos duas horas em uma parte íngreme, na neve, com os pés apoiados em um tronco de árvore, para não despencarmos" disse Farace.
Foi lá que o grupo descobriu que Coelho, surfista nas horas vagas, nunca tinha visto neve. "Minha primeira reação foi começar a comer a neve. Fazia oito horas que minha água tinha acabado."
Às 6h30, reiniciaram a escalada. No topo da montanha, por volta de meio-dia, perceberam que seria impossível atravessá-la. Era íngreme demais. Para piorar a situação, uma tempestade se formava.
O grupo decidiu acionar o resgate. Cada time levava um transmissor que emite sinais e possibilita a localização e captura por helicóptero. A idéia era serem transportados para o início da segunda parte da prova -caiaque. Mas, por um problema de transmissão, o helicóptero não apareceu.
Depois de algumas horas, o grupo decidiu voltar ao ponto inicial da competição -o que implicaria quase 24 horas de caminhada.
A tempestade chegou, com neve e chuva. "As roupas impermeáveis ficaram encharcadas. Fazia tanto frio que atravessava as corredeiras geladas e achava que a água estava quente", contou Flávia.
Pararam às 4h30 de quarta. Usaram lona para montar um toldo sobre pedras e tentaram fazer uma fogueira com gravetos, mas tudo estava molhado. Foi quando começaram a queimar as poucas coisas que tinham secas, dentro das mochilas. "Queimamos duas cuecas, algumas meias e até esparadrapos. Valia tudo para tentar se aquecer", disse Freitas, que chegou a tomar água quente.
Depois da tempestade, o grupo terminou o caminho de volta e encontrou o helicóptero do resgate quando ia cruzar o último rio, por volta de 13h de quarta. "Pegamos uma carona com eles" disse.
Freitas, que é dono da corretora de valores que dá nome e patrocínio ao grupo, só ficou sabendo das mudanças econômicas na quinta à noite, dia 13. Mas não se arrependeu do investimento de R$ 120 mil para participar da aventura.

A editora assistente de cidades Angélica Banhara viajou a convite da Síntese Fundos

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