São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997
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Grupo é alvo fácil de agressões nas ruas

DA REVISTA DA FOLHA

Ameaças dificilmente intimidam os travestis. Violência é o feijão-com-arroz no cotidiano de quem anda de salto alto e batom, mesmo tendo sido batizado como João ou Antônio. A situação deles talvez seja a pior entre todas as minorias: são alvo fácil de agressões de policiais e baderneiros, são desprezados pelos outros homossexuais e são, quase sempre, odiados pelos próprios clientes.
Quem procura travestis, em geral, é casado, tem dinheiro e não assume a homossexualidade. As transas são rápidas -90% dos clientes são passivos- e acontecem dentro de carros, em motéis e até na rua. O programa custa em média R$ 50 e dura meia hora.
Casos de agressões, de ambas as partes, não são raros. Há um mês, a travesti Amanda, 22, levou três tiros na avenida Indianópolis.
Uma bala atingiu suas costas, saindo pela prótese do seio esquerdo. As outras duas acertaram seu ombro direito e o braço esquerdo.
Ela diz que o cliente não queria pagar o combinado -R$ 80 para transar com ela e outro travesti- e sacou uma arma. "Fizemos de tudo, mas, no final, o ocó (o homem) queria dar apenas R$ 40.
Ele sacou uma 765 automática, atirou e fugiu", diz Amanda, que na semana passada já exibia as coxas e os olhos verdes para os carros enfileirados na Indianópolis.
Na mesma avenida, há cinco meses, ocorreu o "incidente" que levou os travestis Jéssica e Márcia, ambos de 20 anos, a serem acusados de assaltar um rapaz de 18 anos. Presos em um distrito policial, eles esperam o julgamento.
"Era a terceira vez que eu fazia programa com ele e, daquela vez, transamos no carro. Quando terminamos, ele disse que precisava sacar no caixa eletrônico o uaqué (dinheiro) para me pagar. No caminho, Márcia pediu uma carona até a avenida Paulista, e ele concordou", conta Jéssica.
Segundo ela, o rapaz teria pago R$ 470 -"de livre e espontânea vontade". Mas, minutos depois, chamou um carro da PM e as acusou de roubo. Os policiais levaram os dois travestis e apreenderam uma lâmina. "Era só um pedaço de gilete, guardado na minha nécessaire, que eu uso para apontar o lápis de olho", diz Márcia. Procurado, V. disse que não procura travestis. "Isso me deixou traumatizado, não saio mais à noite e evito andar sozinho."
A maioria das histórias criminais envolvendo travestis é assim nebulosa. Bárbara, 23, que faz ponto em frente ao Jóquei Club, é testemunha do assassinato de uma colega.
"Uma amiga me perguntou se eu queria fazer uma suruba. Entramos no Gol GTi cinza do cliente e fomos para o motel, aqui perto. O cliente, um motorista da Polícia Civil, pagou R$ 100 no motel, mas o combinado era R$ 200", conta.
Ela diz que o cliente estava "muito louco" e parou num caixa 24 horas. Em vez de tirar o cartão, sacou um revólver e atirou em sua amiga. Bárbara correu, levou um tiro na perna, mas conseguiu se esconder. Segundo o delegado Carlos Frederico Calazans, do 34º DP, o acusado se entregou dias depois, alegando legítima defesa. O caso ainda não foi a julgamento.

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