São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997
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Especulador é o novo vilão

Política econômica tornou governo refém do atual "inimigo"

GUSTAVO PATÚ
COORDENADOR DE ECONOMIA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A crise internacional iniciada em outubro produziu no Brasil, além de alta de juros e de impostos, um falso vilão: os especuladores do mercado financeiro.
Tornou-se comum, no governo e na oposição, no Executivo e no Legislativo, condenar a ação dos que "apostaram contra o real" e que deveriam ser os verdadeiros punidos por medidas oficiais.
O PT propôs uma quarentena para o capital externo, como forma de espantar os especuladores. O governo voltou a defender sua tese de que é necessário um mecanismo internacional para controlar o movimento de capitais.
Há uma equívoco básico, porém, no diagnóstico segundo o qual os especuladores são o inimigo público nº 1 do momento.
O Brasil não atravessa uma crise devido à ação dos especuladores, mas sim porque, em razão da política econômica que adotou, tornou-se dependente do dinheiro trazido por esse tipo de investidor.
Tanto que o problema do governo hoje não é se livrar dos especuladores, é atraí-los ao país -ou, pelo menos, manter seus dólares depositados nas reservas do BC.
Essa confusão entre causa e consequência já ocorreu em outros momentos de crise no país. Um exemplo foi a chamada ciranda financeira, já apontada como causadora da inflação, quando era apenas uma decorrência desta.
Quem são
Os especuladores são pessoas, bancos e outras empresas que atuam no mercado financeiro. Eles fazem de maneira profissional o que uma pessoa comum faz de forma amadora: a partir das informações que possuem, procuram as melhores oportunidades de lucro.
Qualquer que tenha sido o motivo, o fato é que especuladores decidiram em outubro abandonar investimentos em reais e comprar dólares, o que fez as reservas do BC perderem US$ 8 bilhões.
Isso aconteceu porque grande parte das reservas do BC foi formada com dólares comprados de especuladores. Quando eles acreditam que o real pode ser desvalorizado em relação ao dólar, que o Brasil oferece risco a seus investimentos ou há oportunidades melhores em outros locais, compram seus dólares de volta.
Dependência
Dois fatores principais explicam por que o Brasil se tornou tão dependente do chamado capital especulativo nos últimos anos: o governo gasta mais do que arrecada e os produtos brasileiros têm pouca aceitação no exterior.
Como foi decidido controlar a inflação por meio da concorrência com os produtos importados (os impostos de importação foram reduzidos e o real foi sobrevalorizado em relação ao dólar, barateando os produtos estrangeiros), o país passou a ter déficits comerciais a partir de 95.
O governo também tem que fazer pagamentos da dívida externa, tomar mais dinheiro emprestado para cobrir seus gastos e ainda manter altas reservas em dólar para evitar que a cotação da moeda norte-americana suba.
Para tornar isso possível, é preciso atrair algo como US$ 36 bilhões em investimentos externos ao ano. A metade disso, neste ano, pode ser conseguida na forma de capital produtivo, aquele aplicado na compra de empresas ou no ingresso de novas multinacionais.
Os outros US$ 18 bilhões, porém, ficam na dependência dos investidores que buscam lucros nas Bolsas, nas aplicações em juros, nos empréstimos a empresas e na compra de títulos.
A manada e os boatos
Quando um país chega a um alto grau de dependência em relação ao capital especulativo, começa a ficar íntimo de um mercado muito mais afetado por turbulências.
Quem aplica a curtíssimo prazo e risco alto pode tomar decisões a partir de boatos de mercado e do comportamento dos demais investidores (o espírito de manada).
Enquanto havia dinheiro sobrando no mercado internacional, os especuladores tinham mais recursos para investimentos em países de risco, caso do Brasil.
O que aconteceu após o crash global das Bolsas foi uma redução do dinheiro disponível no mundo. Isso torna muito menor a disposição dos investidores de especular nas economias emergentes.

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