São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997 |
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Condenados à liberdade
ANTONIO MEDINA RODRIGUES
O livro homenageia aos que primeiro traduziram os gregos entre nós. Daí também comparecer o "Prometeu Acorrentado", de Ramiz Galvão, acompanhado de um texto de João Ribeiro sobre a mesma peça. Há na obra três aspectos, portanto: o ensaístico, o tradutivo (incluindo o poético) e o provocador. Este vai por conta de Haroldo, para quem o classicismo não apenas tem valor por ser o que é, mas por ser miscigenável, por ser, portanto, um vir-a-ser. "Três Tragédias Gregas" também traz manuscritos de Guilherme, o texto grego da "Antígone" e o texto alemão de Hõlderlin. Traduções costumam gerar polêmicas. É que, na prosa, por exemplo, sempre se pode verter "ánthropos" por "homem". Na poesia, entretanto, isso nem sempre soa bem. Porque nela vale o corpo da palavra, e isso diz quase tudo. O tradutor de poesia se condena, pois, à liberdade. E, a acreditarmos em Harold Bloom (nenhum poema tem leituras iguais), só pode mesmo haver uma essencial instabilidade na poesia, e sua tradução só pode ser a Musa do Instável. Haroldo agiliza a língua alemã de Hõlderlin e lhe imprime pés mais ligeiros e um senso mais despertado do verso. Ele não traduz para dizer o que se disse, mas para prosseguir o gesto de quem disse, vaticinar o ponto horizontino a que acenava o original. E Guilherme de Almeida? Este participara do modernismo. Seu penumbrismo, contudo, fê-lo colocar-se ao largo. Sua "Antígone", porém, é a melhor da língua. É precisa, pois Guilherme é mestre do verso. Tudo nele é pleno, sem colisões, sem torniquetes. Mas, como não fosse dramático, tem mais forte a poesia do que a convulsão. Trajano foi essencialista. Suas imagens são leves, ficam no ar, e não perdem o tom forte nos momentos de agonia. Ou me engano, ou ele acaba de fazer uma obra-prima. Porque intervém profundamente na obra e a põe diante de nossos olhos. Com fidelidade. Com liberdade. Com isso, ele nos dá duas lições. Uma de estética: sabe equilibrar o terror e a formosura. E outra de moral, porque, a partir de agora, não pode haver desculpas. Hoje há colégios que ensinam canções populares (nada tenho contra). Mas por que também não dar os grandes trágicos? A literatura, afinal, não fica menor quando se lê a maior literatura. Texto Anterior: A Majestade do Xingu Próximo Texto: CONTO; DESENHO; BIOGRAFIA; ENSAIO; MÚSICA; CRÔNICA; REVISTA Índice |
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