São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997
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A ESQUERDA SEM AÇÃO

Avariados especialmente pelo esgotamento das energias utópicas, os partidos de esquerda vivem hoje uma fase de amesquinhamento político mais agudo. Em vez de um amadurecimento pragmático, sofrem de desorientação programática e prática. PT, PDT, PSB, PC do B, seus líderes ou suas correntes internas não conseguem escapar do xadrez pouco produtivo dos conchavos, seja entre as legendas, seja dentro dos próprios partidos. O pêndulo da candidatura Lula -hoje parece que se lança, amanhã dá a entender que desiste- é um traço evidente dessa crise esquerdista, mas que não a resume.
Ao longo desta década, os partidos de esquerda assistiram à derrocada de seus esteios. Bandeiras políticas, bases sociais tradicionais e de massa, tudo foi arrastado pelo avanço prático ou propagandístico do liberalismo. No caso do PT, ao mesmo tempo em que se via às voltas com a tarefa de rever linhas mestras de sua ideologia -qual seria um programa viável e alternativo ao capitalismo?-, o partido teve de encarar o fato de que as eleições se transformavam no centro de sua vida política. O PT se burocratizava e limitava seus laços com movimentos sociais.
Apesar do crescimento eleitoral, de conquistar cada vez mais prefeituras, cadeiras parlamentares e votos para seu candidato presidencial, o PT chegou em crise ao momento de sua "profissionalização". Na hora em que se transforma num partido mais parecido com os outros, o PT não tem o que oferecer ao eleitorado.
No momento crítico da hiperinflação e da transição de um modelo de desenvolvimento, no começo dos anos 90, o partido viu suas propostas já um tanto ultrapassadas serem fragorosamente derrotadas pelo Real. O plano de estabilização, que não foi compreendido pela quase totalidade do PT na época de seu lançamento, fez o petismo baquear a ponto de não saber até hoje como agir diante dele. Diante do Real de FHC, a ala central do partido agora fica entre a defesa um tanto oportunista da estabilidade (depois que ela se tornou um sucesso popular) e as críticas à administração do plano. O restante da plataforma petista, que é também a dos demais partidos da esquerda, ainda é um esboço voluntarista e genérico, de tom social e estatista, sem propostas práticas viáveis e visíveis.
O mais impressionante é que, mesmo quando pela primeira vez o grande e popular consenso do Real apresenta suas primeiras fissuras, ainda que pequenas, o PT não consegue reagir e propor um novo rumo ao país. Em meio ao crash global das Bolsas e de pacotes recessivos, o partido se debate quase apenas para manter a posição de opositor primaz do Brasil -e ainda sem sucesso.
Lula faz o que pode para conseguir do seu partido pelo menos a chancela para negociar alianças e conduzir a campanha, sem o que não conseguirá o apoio nem do PDT, que parece aberto ao acordo. Enquanto isso, os petistas se vêem ameaçados de perder seus tradicionais aliados, o PSB e o PC do B, que ainda pagam para ver se alguma outra candidatura mais viável que a de Lula decola entre o centro e a esquerda.
Em resumo: diante do fato de que lhe restou a tarefa de ser a esquerda eleitoralmente viável no país, o PT não consegue apresentar uma alternativa plausível, programática ou política, nem ao menos para seus primos da esquerda. Não que estes se comportem muito melhor. Depois da agitação criada em setembro pela candidatura Ciro Gomes, o que deu alguma vida ao cenário eleitoral, a chamada centro-esquerda -o diminuto PSB de Miguel Arraes ou as sobras do PMDB de "oposição"- não conseguiu produzir novidades, um novo eixo político para o país. Para ela, tudo depende da piora do cenário econômico e de uma eventual e imponderável empatia de Ciro com o eleitorado, o que parece antes uma loteria, não um programa político.
Sem grandes bandeiras ideológicas, restaria ao PT assumir seu papel de burocracia política eficaz. E o êxito eleitoral depende de alianças, bases regionais e sucessos administrativos -hoje o partido não parece capaz nem de lidar com seus principais líderes. Enfim, o PT ainda precisa de um choque de realidade: ou esquece um pouco o partido que pretendeu ser, ou possivelmente não será um partido realmente representativo.

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