São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 1997
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Por que o pacote é ineficaz

JENNIFER HERMANN

ENNIFER HERMANN
aO conjunto de medidas fiscais editado neste mês foi anunciado pela equipe econômica do governo como parte da estratégia de enfrentamento da crise cambial-financeira internacional, que abala as economias asiáticas desde julho e se espalhou pelo globo no final de outubro.
Assim, além do ajuste fiscal em si -antiga pendência da agenda do governo FHC- é certo que o pacote visa também, ou principalmente, gerar um "choque de expectativas" positivo para os investidores externos, mostrando a disposição do governo de garantir fundamentos macroeconômicos saudáveis para a economia brasileira. O objetivo é pertinente e louvável; o instrumento, porém, é de eficácia questionável. Vejamos.
Em primeiro lugar, todas as medidas relacionadas ao Orçamento da União para 98 e as adotadas por meio de MP (medida provisória), que são a maioria, têm de passar pelo crivo do Congresso.
Do total de R$ 4,51 bilhões de corte de despesas da União no Orçamento do próximo ano, apenas R$ 230 milhões, relativos às despesas com inativos, são uma decisão exclusiva do Executivo; dos R$ 3,52 bilhões previstos de aumento de receita, apenas R$ 1,5 bilhão não passa pelo Congresso: R$ 1 bilhão relativo a dividendos dos bancos federais (decidido por decreto presidencial) e R$ 500 milhões decorrentes do aumento da taxa de embarque (portaria do DAC).
Apenas as medidas relativas aos Estados e municípios e às estatais, que foram editadas por portarias, decretos ou resolução do CMN, têm grande chance de ser implementadas como previsto. Elas, porém, representam pouco mais de 30% (R$ 6,16 bilhões) dos R$ 19,72 bilhões do ajuste previsto no pacote.
A necessidade de aprovação pelo Congresso cria duas fontes de incerteza quanto à viabilidade de implementação do ajuste nos moldes anunciados. A proximidade das eleições, com possibilidade de reeleição dos parlamentares e governadores, é um foco natural de resistência à aprovação de medidas tão impopulares.
Além disso, mesmo fora do período eleitoral, a negociação do governo FHC com o Congresso em torno das reformas fiscais sempre foi difícil, a ponto de elas não terem saído do papel até hoje. É difícil crer que o Executivo, agora, consiga aprovar em poucos meses o que não foi capaz de fazê-lo em quase três anos de mandato.
Em segundo lugar, independentemente da conhecida dificuldade de articulação política do governo FHC, a própria intensidade restritiva das medidas, numa economia que completará dois anos com crescimento médio inferior a 3%, conspira contra sua aceitação pelo Congresso na antevéspera das eleições, em face das pressões e movimentos reivindicatórios que deverá desencadear por parte da sociedade civil.
Assim, é possível e bastante provável que o processo de negociação política das medidas implique o abrandamento ou mesmo o abandono de alguns itens do pacote. Isso, por um lado, seria bom para a economia, porque tornaria o ajuste menos recessivo; por outro, carrega o risco de comprometer a credibilidade do ajuste, reduzindo sua eficácia no campo das expectativas, que é crucial para acalmar o mercado financeiro.
Na hipótese de que o governo saia vitorioso do embate com os parlamentares e consiga a aprovação integral das medidas, o efeito recessivo sobre a economia, já combalida pelo recente aumento dos juros, será brutal.
A equipe econômica estima que as medidas promoverão um ajuste fiscal mínimo de R$ 19,72 bilhões em 98, o que significará cerca de 2% do PIB do período. Em vista disso, o governo já reviu sua estimativa de crescimento para o próximo ano, reduzindo-a de 4% para 2%. Assim, a avaliação oficial reconhece um impacto recessivo equivalente a 2% do PIB, exatamente o montante a ser economizado pelo setor público.
Essa, porém, é uma estimativa conservadora, porque embute um "multiplicador de gastos autônomos" de 1,0. Como, em qualquer economia, esse multiplicador supera a unidade -sendo mais elevado nas economias em desenvolvimento, que têm maior propensão a consumir- a retração do PIB do Brasil será, certamente, superior a 2% na hipótese de implementação integral do pacote.
A recessão resolve uma parte do problema externo, ao reduzir as importações, mas compromete a eficácia do ajuste no campo da arrecadação. Além disso, ameaça também a credibilidade da política econômica, porque abre espaço para mudanças decididas sob pressão, num ambiente condicionado pelo clima de campanha eleitoral. E a incerteza quanto aos rumos da política econômica, definitivamente, não atrai investidores externos.
A implementação do ajuste nos moldes anunciados, paradoxalmente, deverá ter ainda efeitos negativos para o mercado acionário. Entre os R$ 5,7 bilhões de cortes previstos nas estatais, quase a metade (R$ 2,1 bilhões) refere-se a investimentos, inclusive da Petrobrás, Telebrás e Eletrobrás, que têm sido os carros-chefes dos negócios na Bovespa. À medida que os cortes afetarem a perspectiva de rentabilidade dessas empresas, suas ações sofrerão desvalorização na Bolsa, puxando para baixo o Ibovespa. O ambiente recessivo a ser criado pelo pacote deprimirá também os preços das ações de empresas privadas, tão logo suas perspectivas de lucro sejam reavaliadas pelo mercado.
Quanto às medidas de apoio às exportações, empresários do setor e membros do governo estimam que poderão levar as exportações de 98 a um patamar 15% superior ao de 97, que deverá fechar o ano em torno de US$ 52 bilhões. O ganho de divisas esperado, portanto, é significativo, da ordem de US$ 7,8 bilhões.
Essa, porém, é uma estimativa otimista. Apesar de necessários e reivindicados por exportadores e analistas econômicos há tempos, os incentivos às exportações não encontram campo muito fértil para prosperar.
A economia mundial está conturbada: os mercados asiáticos, inclusive o Japão (que compra 6% das exportações brasileiras), estão em franca recessão; os países da União Européia, que representam 28% de nossas vendas externas, estão numa fase de aumento generalizado de juros, como preparação para entrada no euro; mesmo a Inglaterra, que já anunciou a não adesão ao euro em 99, elevou os juros recentemente; a economia americana, que compra 18% de nossas exportações, deverá entrar em ritmo de desaceleração, mesmo sem aumento de juros, por conta da retração que a crise asiática vem impondo ao mercado acionário.
Finalmente, nossos parceiros do Mercosul (16,5% das exportações brasileiras), que também compõem o preocupado e preocupante grupo dos "mercados emergentes", não estão em situação externa muito mais segura do que a do Brasil. Enquanto durar a tempestade asiática, também deverão conter suas importações.
O pacote parece colocar a economia numa armadilha de difícil saída. Se for aprovado e implementado como pretende o Executivo, será fortemente recessivo; terá eficácia sobre os déficits comerciais, mas será (mais) um fator de insegurança e instabilidade do mercado financeiro, especialmente no segmento acionário, criando um ambiente pessimista extremamente danoso para os negócios.
Se não for implementado como previsto -o que é mais provável-, terá efeito reduzido sobre o déficit comercial e, pelo comprometimento da credibilidade do governo, seu efeito benéfico sobre as expectativas dos investidores e a captação externa terá fôlego curto.
O maior inconveniente do pacote é justamente sua ousadia, um tanto extemporânea para um momento de crise que, mais que medidas ousadas, requer medidas críveis. Melhor seriam medias emergenciais, anunciadas como tal, cujo foco principal fosse a área externa, especialmente a restrição às importações de bens e serviços (a exemplo do que foi feito em 95), o desincentivo à saída de capital e o apoio às exportações.
Ajuste fiscal, em qualquer país, é uma questão politicamente muito complexa para ser resolvida de forma emergencial. O mais eficaz e seguro seria cortar despesas apenas nas áreas em que o governo central realmente tenha controle direto.
O que há de "líquido e certo", até o momento, é o efeito recessivo das medidas, que se fará sentir já em 97. A eficácia desse clima sobre os investimentos externos é, no mínimo, questionável.
No que depender do pacote, portanto, a crise da Bolsa no Brasil ainda se prolongará por muito tempo. Resta apenas esperar que os mercados asiáticos encontrem rapidamente o pouso, para que as pressões externas sobre o país sejam amenizadas.

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