São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 1997
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Brasileiro está ficando mais gordo

ESPECIAL PARA A FOLHA

O número de pessoas com obesidade e sobrepeso aumentou de forma alarmante no Brasil nos últimos anos e já insere o país na rota dessa doença nutricional que se transformou em epidemia.
Pesquisa realizada no ano passado mostra que, entre as mulheres brasileiras na faixa etária de 18 a 49 anos, a obesidade aumentou 129,5% em 20 anos. Dados do fim dos anos 80 apontavam o grupo dos obesos como mais do que o dobro que o de desnutridos no Brasil.
Segundo Alfredo Halpern, diretor da Abeso (Associação Brasileira de Estudos da Obesidade) e chefe do grupo de obesidade do Hospital das Clínicas da USP, em vez da desnutrição -que durante décadas foi o maior foco de preocupação das campanhas de alimentação-, a obesidade pode ser considerada hoje o problema nutricional mais grave no país.
Halpern baseia-se nos últimos grandes estudos que trouxeram informações sobre o padrão nutricional dos brasileiros: o Endef (Estudo Nacional da Despesa Familiar, de 1974 e 1975), o PNSN (Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição, de 1986) e o DHS (Demographic and Health Survey, de 1996).
Vítimas
Em duas décadas, a desnutrição em mulheres entre 18 e 49 anos caiu de 9,2% para 6,2%. Uma queda de mais de 33%. Em contrapartida, a obesidade saltou de 4,4% para 10,1%. Um aumento de 129,5%.
Os dados constam do trabalho dos pesquisadores Carlos Augusto Monteiro e Lenise Mondini, do Centro de Estudos Epidemiológicos em Saúde e Nutrição, da Escola de Saúde Pública da USP, que comparou os resultados do Endef, do PNSN e do DHS, em grupo de mulheres de 18 a 49 e em crianças com menos de 5.
Nas crianças menores de 5 anos, a desnutrição caiu de 20,1% para 5,6%. Ou seja, uma queda de mais de 72%. Já a obesidade seguiu caminho inverso: subiu de 4,5 para 4,9%. Um aumento de 8,8%.
Um estudo de 89, da pesquisadora Denise Costa Coitinho, do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição, já mostrava que o número de pessoas com obesidade e sobrepeso no Brasil aumentou 53% em menos de 15 anos. De 21,4% em 1974/1975, saltou para 32,8% em 1989.
As duas formas de excesso de peso -a obesidade e o sobrepeso- (veja tabela nessa página) trazem problemas para a saúde. O aumento dos índices de sobrepeso e obesidade no Brasil não é um fato isolado. No mundo todo, a obesidade tem adquirido um caráter epidêmico. Nos EUA, por exemplo, dados de 95 mostravam que mais de 50% da população tinham sobrepeso e obesidade. Houve um aumento de mais de 30% em uma única década.
No Reino Unido, entre 1980 e 1992, o sobrepeso e a obesidade aumentaram quase 15%. 54% dos homens e 45% das mulheres estão nessa situação.
Segundo Halpern, dois fatores explicam essa epidemia: a diminuição acentuada da quantidade de atividade física realizada diariamente e o acesso de uma camada maior da população a mais alimentos.
O maior número de recursos tecnológicos e a violência dos centros urbanos reduziu a locomoção e o movimento ao longo do dia.
Resultado de mudanças econômicas, camadas menos favorecidas da população passaram a ter acesso a diferentes tipos de alimentos.
No entanto, segundo Halpern, o que se tem verificado é que essa camada da população está comendo mais gordura, açúcar refinado e proteínas de origem animal e menos carboidratos, frutas, saladas e verduras. Isso acarreta um excesso do aporte de calorias e favorece o acúmulo de gordura no corpo.
"Falta informação. Trocamos o ótimo arroz, feijão e batata por frituras, carnes gordas, embutidos, enlatados e doces.", diz o endocrinologista.
A mesma tendência foi verificada nos países desenvolvidos há algumas décadas. "Estamos seguindo um padrão de transição nutricional. Convivemos com camadas da população que ainda não têm acesso adequado aos alimentos e seguem desnutridas e camadas que passam a comer mais, não escolhem bem os alimentos e acabam tendo ganho excessivo de peso."
O trabalho de Carlos Monteiro e de Lenise Mondini, que compara os três grandes estudos brasileiros, alerta que as mudanças no perfil nutricional de populações em transição são complexas e não podem ser vistas simplesmente como uma inversão da desnutrição pela obesidade e pelo sobrepeso.
Segundo Halpern, o número de pessoas com excesso de peso nas camadas com melhores condições socioculturais teve um crescimento proporcionalmente menor do que nas camadas mais baixas.
"É uma parte da população que já tinha acesso a diferentes tipos de alimentos e que vem sendo informada pelos médicos e pela imprensa."
Crianças
As crianças talvez sejam as principais vítimas do movimento gradual que está "engordando" a população brasileira.
Excetuando-se atividades físicas programadas, como jogar vôlei no clube, poucas crianças estão saindo na rua para brincar, subir escadas, pular corda, andar de bicicleta e jogar bola na rua.
Se, há duas décadas, a criança tinha apenas a tela da TV e meia dúzia de canais enfadonhos para se distrair, hoje, ela conta com computador, Internet, videogame, videocassete e TV a cabo. As crianças passam horas por dia na frente de toda essas telas e brinquedos tecnológicos.
Para agravar, ficar mais tempo dentro de casa também dá mais oportunidade para as crianças comerem mais. E o menu não é dos mais saudáveis: salgadinhos, doces, sorvetes, refrigerantes e outras guloseimas. Halpern alerta: crianças obesas têm mais chance de se tornarem adultos obesos.

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