São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 1997
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O papel da ciência e tecnologia para o Brasil

JOSÉ GOLDEMBERG

O espetacular sucesso que aplicações da ciência tiveram no desenvolvimento de armas durante a Segunda Guerra Mundial (radar, bombas atômicas, sonar etc.) deu origem a expectativas exageradas sobre o papel que poderia ter no desenvolvimento de muitos países nas décadas seguintes.
Nos Estados Unidos, o Relatório de Vannevar Bush ("Science: the Endiess Frontier") deu origem à "National Foundation" e estabeleceu firmemente a política de financiamento generoso das universidades e da pesquisa básica.
As duas principais mensagens desse relatório foram:
1) Os Estados Unidos deveriam preservar sua capacidade de pesquisa e desenvolvimento (P&D), mobilizada durante a Segunda Guerra Mundial;
2) O governo dos Estados Unidos deveria assumir a responsabilidade pela pesquisa básica das universidades norte-americanas.
O relatório Bush converteu o binômio "segurança e prestígio" em verdadeiro "contrato social", que justificou o apoio à pesquisa básica a partir de 1945. Ao fazê-lo, introduziu a distinção entre ciência pura e ciência aplicada e a idéia de que o poderio econômico resultava "linearmente" da ciência, isto é, de que pesquisa básica criava novos conhecimentos.
Passados 50 anos, a situação mundial é diferente. A competitividade econômica internacional ocupa o papel central, antes ocupado pela Guerra Fria.
Nos países em desenvolvimento, criou-se também a idéia de que ciência teria um papel preponderante na solução dos problemas dos países mais pobres. Essa percepção levou ao estabelecimento de novas universidades em todo o mundo e à criação de organizações tipo "National Science Foundation" em muitos países. Os resultados deixaram, de modo geral, bastante a desejar. O que a experiência mostrou é que não era realista, em muitos casos, desenvolver tecnologias locais quando elas já haviam sido desenvolvidas em outros países. O que era relevante era ter acesso a elas e aprender como usá-las.
O sucesso do Japão, e a seguir dos outros "tigres asiáticos", não só demonstrou que a "teoria linear" da relação entre ciência e desenvolvimento era inadequada, mas que o fundamental para o desenvolvimento era ter uma classe operária qualificada e uma classe empresarial dinâmica que usasse a tecnologia moderna onde ela se encontre. Ciência e tecnologia são o pano de fundo dessa estratégia -desde que sejam feitas as escolhas tecnológicas corretas-, de modo a aumentar a produtividade e ganhar vantagens comparativas em relação aos concorrentes.
Os caminhos seguidos pelo Brasil combinam as duas estratégias esboçadas acima:
1) Por um lado o governo criou o Conselho Nacional de Pesquisas, após a Segunda Guerra Mundial, seguindo o modelo dos Estados Unidos, e deu grande ênfase à formação de pessoal e à educação superior.
2) Por outro lado algumas empresas estatais e o setor privado adotaram o procedimento dos "tigres asiáticos", desenvolvendo tecnologias que lhes dessem vantagens comparativas, como a exploração de petróleo em águas profundas e a produção de álcool.
No Brasil, o dispêndio em P&D é inferior a 1% do Produto Nacional Bruto (0,77% em 1994), o que significa US$ 5 bilhões do PIB. Comparado ao de outros países, esse índice mostra que o Brasil gasta em ciência e tecnologia menos do que países industrializados, mas não se encontra em posição tão inferior quanto outros países em desenvolvimento, como México e Equador.
Um problema realmente sério é a origem desses recursos. Apenas 22% são dispêndios do setor privado. O restante provém de empresas estatais (9%) e 69%, dos governos federal e estaduais.
Um indício desencorajador no quadro nacional é o número de patentes concedidas no país a estrangeiros e a brasileiros. Em 1995, de 2.660 patentes registradas, apenas 526 eram de residentes no país (20%), o que dá uma idéia da reduzida contribuição nacional na tecnologia usada.
Há no Brasil cerca de 37 mil cientistas e pesquisadores, que publicam cerca de 30 mil artigos por ano, mas que dão origem a um número muito reduzido de patentes. Há, portanto, dois problemas nessa área:
1) O de aumentar a fração do Produto Nacional Bruto dedicada a P&D (o que beneficiaria a pesquisa básica);
2) Dedicar maior fração desses recursos à pesquisa aplicada, o que redundaria em maior desenvolvimento.
Os novos mecanismos que poderiam estimular essas mudanças foram discutidos no "Fórum Nacional de Cenários - a Dois Anos da Virada do Século", realizado em Belo Horizonte nos dias 25 e 26.

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