São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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'O sr. deveria me agradecer', diz ACM a FHC

JOSIAS DE SOUZA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

"O sr. deveria me agradecer." Fernando Henrique Cardoso não alcançou o raciocínio do interlocutor. Antonio Carlos Magalhães foi mais claro: "Ao me colocar contra o aumento do Imposto de Renda, eu, que sou seu aliado, roubo uma bandeira de seus adversários. O Lula, o Itamar, o Ciro e o Sarney sumiram do noticiário por 15 dias."
FHC recepcionou ACM sob atmosfera de cordialidade. Deixou-o muito à vontade. Ele o havia chamado ao Alvorada, na última quinta-feira, disposto a aparar as diferenças que turvaram o relacionamento do PSDB com o PFL, sócios majoritários do esquema político que dá suporte ao governo.
FHC decidira ceder. Após resistência de três semanas, modificaria o pacote fiscal anticrash. Sob protestos do ministro Pedro Malan (Fazenda). FHC não daria tudo o que ACM pedia. Mas avaliou que seria arriscado não ceder coisa alguma. Sem nenhum cargo, ACM já oferece perigo. Acomodado na cadeira de presidente do Senado, é ainda mais temível.
Por isso FHC queria escutá-lo. Era preciso neutralizar suas resistências, saber se suspenderia a artilharia. A conversa foi franca. ACM: "Os intrigantes ficam por aí dizendo que eu quero romper a aliança, que estou contra o imposto porque quero ser candidato a presidente. O pior é que o sr. acredita." E Fernando Henrique: "Não, não acredito. Nem penso nisso. Você sabe o apreço que eu lhe tenho."
ACM novamente: "Não tenho notado esse apreço. A cada dia que os intrigantes dizem que eu tenho prestígio o sr. se fecha mais, para parecer que eu não tenho. Isso é ruim porque me força a devolver."
ACM é sempre formal com FHC. Só o trata de "senhor". Algo que contrasta com o poder de que parece dispor. Ele faz ouvidos de mercador aos apelos do presidente para que o chame de você. Aos amigos, diz que não quer se igualar a outros íntimos da corte, que chamam o presidente pelo nome. "Se até o Sarney eu chamava de sr., não mudaria agora."
Na segunda metade da conversa, FHC detalhou a ACM, com antecedência de 24 horas, os ajustes que faria no pacote. ACM, como previsto, queria mais. Mas o presidente estava atado a compromissos que firmara com o PSDB. Dias antes, havia assegurado às principais lideranças de seu partido que não tocaria no pacote. Um recuo maior incendiaria o tucanato.
Ao final da conversa, FHC arrancou do interlocutor o compromisso de não criar mais caso com as medidas. ACM avisou: em entrevistas, diria que não se sentia integralmente atendido. O presidente assentiu. Não lhe convinha mesmo que ACM saísse dali dizendo que obtivera tudo o que pedia.
Teminava ali mais uma queda-de-braço entre os dois gerentes da aliança que dá suporte ao governo. Não foi a primeira rusga. Não será a última. Os dois são espécies de inimigos cordiais. Mas FHC sabe que, enquanto mantiver os índices de popularidade em patamares confortáveis, ACM continuará aceitando seus convites para tomar café no Alvorada.
No balé do poder, os passos são meticulosamente ensaiados. Três semanas atrás, no domingo que antecedeu o dia do anúncio do pacote, FHC havia discado para ACM. Encontrou-o em Salvador. Queria anunciar-lhe, em primeira mão, o teor das medidas e arrancar dele o compromisso prévio de apoio.
ACM mediu cada palavra: "Presidente, eu não vou lhe faltar nesta hora. Mas não quero saber quais são as medidas, porque me reservo o direito de modificá-las. Se o sr. me disser agora, vou assumir um compromisso que não quero."

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