São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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Minas é o oposto do mar

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DO MAIS!

Minas Gerais é o antimar, o avesso da selva, o sol dos trópicos domado.
Foi feita de dois caminhos. Por um, subiram os bandeirantes de São Paulo. Por outro, vieram os portugueses do Rio. Ambos no encalço do ouro dissimulado nos morros árcades.
Adentrar os caminhos altos e tortuosos da serra da Mantiqueira, subir, descer, subir, descer, até os vales onde minérios roncavam havia milênios, era realizar uma grande conquista terreal.
A empreitada levava à Fortuna e engordava a Vanglória. De quebra, adensava o Espírito, bem longe do namoro selvagem da selva com o mar.
Não tardou que, detrás dos conquistadores rudes, dos nobres vorazes, dos escravos amordaçados, chegassem aspirantes a civilizadores.
Esta é Vila Rica, o coro latino das igrejas, os anjos corados de iluminismo, as bibliotecas secretas, as fontes amorosas, as moedas tilintando novas -e quem diria que, apesar da fome e da forca, já não estávamos aqui desde sempre, não havendo enfrentado o oceano monstruoso das navegações?
O barroco irrompia nas abóbadas, inventando paraísos maliciosos -mas e o outro barroco, das cavernas, no fundo plástico das minas, inferno claro-escuro de negros e lepras?
Mas escorria o ouro preto das entranhas, e eis um bom lugar para a pueril utopia brasileira.
Dizer que Minas é o exílio da praia, a melancolia do oceano inexistente, é desconhecer o princípio. O mar e Minas, no fundo, são incompatíveis.
O mar é a natureza irrefreável, a superfície do mundo, o Brasil cru.
Visto de Minas, este é um país mineral, subterrâneo, terra cavernosa a ser iluminada, cheia de subterfúgios, lagoas sinistras, intrigas incalculáveis, veios bárbaros ansiando a canalização.
Se Minas sonha com o mar, é porque, no meio da cordilheira de frustrações, ela busca um breve ponto de fuga ao seu patético fado histórico.
Visto da praia, o Brasil é um país distraído: esquecimento de si.
Minas é um arremedo cínico de grandeza. Uma desconclusão. A terra prometida pelas belas-letras.
Diante do mar intenso e indiferente, Minas Gerais cisma seu desencontro com a eternidade.

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