São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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Jeffrey Sachs defende máxi contra recessão

ANTONIO CARLOS SEIDL
DA REPORTAGEM LOCAL

A política econômica brasileira é irreal porque a combinação de juros elevados com moeda sobrevalorizada vai causar uma profunda recessão, uma crise social e o aumento do desemprego, colocando em dúvida a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso.
A opinião é do professor norte-americano Jeffrey Sachs, diretor do Instituto de Desenvolvimento Internacional, da Universidade de Harvard (EUA), um dos mais renomados economistas internacionais.
Em entrevista à Folha, por telefone, Sachs disse que o real ainda está vulnerável a ataques especulativos porque os operadores do mercado financeiro global estão de olho em moedas sobrevalorizadas e em países que dependem pesadamente de capital estrangeiro de curto prazo.
"O Brasil certamente cai como uma luva nessa descrição", disse.
Sachs defendeu uma desvalorização imediata do real em 20% em relação ao dólar como a melhor estratégia de preservação do Real.
"Na minha opinião, o Brasil só teria a ganhar com a desvalorização do real porque isso permitiria um crescimento mais rápido das exportações e uma redução substancial da taxa de juros."
Sachs discorda da tese segundo a qual a desvalorização cambial causaria a volta da inflação. "Esse risco é mínimo. O maior risco que o Brasil enfrenta atualmente é uma recessão econômica."
Leia, a seguir, trechos da entrevista.
*
Folha - Como o sr. analisa a atual turbulência na economia mundial?
Jeffrey Sachs - Estamos testemunhando um pânico financeiro nos mercados emergentes. É um pânico agudo no qual administradores de fundos e de bancos estão retirando empréstimos que fizeram, causando um arrocho creditício nos mercados emergentes.
Folha - Qual é, na sua opinião, a origem desse fenômeno?
Sachs - Até certo ponto, é um pânico irracional. Começou com problemas na Tailândia. Agora estamos vendo algo parecido com o "efeito tequila" de 1994, quando a crise em um país, no caso o México, contagiou outros países.
Folha - A crise veio para ficar?
Sachs - Por algum tempo ainda. Nada que o FMI fez até agora resolveu o problema. A crise está durando mais do que se esperava. E está ficando cada vez mais séria.
Folha - Analistas responsabilizam a globalização pelo contágio da crise asiática em outros países, como o Brasil. O sr. concorda?
Sachs - Em sentido literal, há alguma verdade nessa afirmação, mas não em um sentido mais profundo. Essa é uma crise que tem origem em economias que estavam recorrendo pesadamente a empréstimos de curto prazo no exterior.
Folha - A globalização ameaça as economias emergentes?
Sachs - Não concordo com o ponto de vista de que, como consequência da crise, os países emergentes deveriam fechar seu comércio e seu setor financeiro ao exterior. Isso seria um grave erro. Mas estou de acordo com o diagnóstico de que a liberalização financeira devia ser mais controlada, mais limitada e melhor direcionada.
Folha - O modelo neoliberal adotado no Brasil pode estar com os dias contados?
Sachs - Deixando rótulos de lado, acho que a direção geral da política econômica brasileira, caracterizada pela abertura do mercado, pelo programa de privatização e pela atração de investimento estrangeiro direto, está correta. E nada que aconteceu recentemente mudou minha avaliação.
Folha - E qual é a sua avaliação da estratégia adotada pelo Brasil para afastar o fantasma asiático?
Sachs - A estratégia específica que o Brasil vem seguindo, mesmo antes da crise, de altas taxas de juros para atrair capital estrangeiro de curto prazo é muito perigosa. Não a recomendaria.
Folha - O que o sr. recomendaria?
Sachs - Desvalorização da moeda e redução da taxa de juro.
Folha - Por quê?
Sachs - Porque isso manteria o crescimento econômico em uma base mais estável no país.
Folha - Mas a desvalorização do real não traria de volta a inflação?
Sachs - Esse risco é mínimo. O maior risco que o Brasil enfrenta atualmente é uma recessão econômica. É verdade que a rigidez cambial foi o fator chave para a queda da inflação em 1994. Mas não é verdade que a desvalorização da moeda em 1997 trará a inflação ou a hiperinflação de volta ao Brasil.
Folha - Isso é aparentemente um paradoxo.
Sachs - De fato, mas muita coisa mudou nos últimos três anos: o uso do dinheiro, a natureza do sistema bancário e a limitação da indexação salarial. Tudo isso é muito diferente de 1994. Hoje em dia, seria possível deixar a taxa de câmbio atingir um nível de mercado sem reacender a inflação. Polônia e Israel são exemplos de países que usaram a taxa de câmbio como âncora da estabilização e que depois passaram para regimes cambiais flexíveis sem a volta da inflação. Em Israel, a inflação anual é de 6% a 7%.
Folha - De quanto deveria ser a desvalorização do real?
Sachs - Na minha opinião, de 20% ou possivelmente um pouco mais.
Folha - De uma só vez ou gradual?
Sachs - O Brasil seria melhor servido por uma rápida mudança da taxa de câmbio para um nível mais depreciado. Isso sustentaria um crescimento mais rápido das exportações, permitindo uma redução substancial dos juros.
Folha - O governo está fazendo exatamente o contrário.
Sachs - O governo está tentando defender um real forte. Pode fazer isso. Não é impossível, mas o sucesso dessa estratégia será obtido a um custo muito alto, representado por uma severa recessão.
Folha - O sr. então discorda totalmente das medidas tomadas pelo governo brasileiro?
Sachs - Elas são irreais. Concordo com muitas das medidas fiscais que foram anunciadas pelo Brasil. Mas a receita mais apropriada na atual conjuntura seria uma combinação de arrocho fiscal com menos rigor monetário. Isso resultaria na redução do déficit orçamentário, causando uma contração da demanda, que seria compensada pela política monetária mais frouxa para estimular investimentos e exportações. Concordo em parte com o que o governo brasileiro está fazendo, mas não concordo com o aperto simultâneo das políticas fiscal e monetária. Isso trabalha contra a economia interna, causando queda do nível de atividade e até crescimento negativo. Os estragos que os juros altos causam na economia real são muito punitivos.
Folha - O Brasil ainda está vulnerável ao contágio asiático?
Sachs - Não tenho a menor dúvida. A vulnerabilidade continua porque os operadores do mercado financeiro global estão de olhos abertos em busca de moedas sobrevalorizadas e de países que têm contado pesadamente com capital estrangeiro de curto prazo. E o Brasil certamente cai como uma luva nessa descrição.
Folha - Há quem diga que a crise externa arranhará o Plano Real, prejudicando as chances do presidente Fernando Henrique ser reeleito. Qual é a sua opinião?
Sachs - A inflação vai continuar baixa. Mas o crescimento econômico vai desaparecer e o desemprego deve aumentar. Isso pode ser ruim para a reeleição.

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