São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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Assalto fiscal

OSIRIS LOPES FILHO

A imprensa e os parlamentares têm dado um destaque merecido à leonina elevação do IR da pessoa física em 10%, de que trata a medida provisória nº 1.602/97, obra exemplar da incompetência e da preguiça do governo FHC.
O objetivo de incremento de arrecadação poderia ter sido obtido, de forma justa e racional, se cobrado dos evasores o imposto devido.
Há um desamor ao Direito e à Constituição. O art. 24 da citada MP estabelece a incidência do IR sobre as heranças e doações. Esqueceu-se dos legados, que também compõem os bens objeto de sucessão do patrimônio do defunto. Inexplicável a omissão, em face de a herança ter um significado familiar, ao passo que o legado caracteriza-se por beneficiar terceiro, a título singular. É uma infidelidade ao conhecimento jurídico.
O desprezo à Constituição e à Federação dá-se pela invasão de competência dos Estados e do Distrito Federal. Cabe aos Estados e ao Distrito Federal instituir o imposto sobre transmissão "causa mortis" e doações, vale dizer, imposto sobre herança, legados e doações. A MP tributa essas transferências de patrimônio.
O IR não pode incidir sobre tais transferências. Herança, legado e doação não são renda. Podem acarretar a ocorrência de proventos, vale dizer, os acréscimos patrimoniais não decorrentes do capital ou do trabalho ou da combinação dos dois.
Há possibilidade de tributar ganhos de capital, pois, herdado, legado ou doado um bem por R$ 100 mil, e se o beneficiário, posteriormente vendê-lo por R$ 300 mil, ter-se-á um ganho de capital, que configura proventos.
Todavia, o que se pode tributar é o ganho do beneficiário. Não o espólio, inventariante ou doador. Esses têm perda patrimonial.
Finalmente, o parágrafo 5º manda aplicar as mesmas regras a cada cônjuge na hipótese de dissolução da sociedade conjugal ou da unidade familiar. Nos casos de comunhão de bens, universal ou parcial, e dissolução de sociedade conjugal de fato, não há ganho de capital, pois os bens já estavam no patrimônio das pessoas, em condomínio. Apenas há individualização de propriedade dos bens, sem ganhos de capital.
Esse governo segue em celerada escalada na ilegalidade. Já bateu a carteira dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios com o FEF. Agora faz assalto tributário às viúvas, legatários, donatários e divorciados.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 58, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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