São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A chave do conhecimento

LUÍS NASSIF

No início era a ditadura, com sua racionalidade entrópica, que pouco a pouco foi se esboroando ao rufar da cidadania. Eram as salas ministeriais definindo os rumos, e a propaganda oficial vendendo o peixe. Houve modernização, mas não a renovação das idéias, e a ditadura caiu sob o peso do seu próprio envelhecimento.
Vieram os anos 80, a democracia era infante, e o conhecimento, escasso. De início, pensou-se que bastaria a "vontade política", seja lá o que isso fosse, para o país encontrar seu rumo. Os que previam o fim dos tempos, apresentaram-se como mensageiros da luz, mas não sabíamos nada, e éramos tão velhos como nossos pais.
Apostávamos que bastavam ministros com carisma para conduzir a vontade nacional. Mas conduzir para onde? Onde o rumo, o objetivo?
O país ia andando, aos trancos e barrancos, e o conhecimento parecia um rato de quermesse, enjaulado, perdido entre dezenas de portinholas fechadas, testando cada brecha, sem encontrar a saída.
Num certo momento, a saída consistia em domar a inflação inercial. E veio o Cruzado, e veio a reunião de Carajás, e veio mais uma "oportunidade perdida" a se somar à infindável lista das últimas oportunidades perdidas que povoaram o imaginário nacional.
O Brasil perdeu sua última oportunidade quando a República foi proclamada, quando Vargas assumiu em 30, quando Vargas se matou em 54, quando JK não alterou a política cambial em 57, quando Geisel substituiu Médici em 74, quando Delfim substituiu Simonsen em 79, quando Tancredo morreu e quando Sarney não ouviu os sábios em Carajás.
A análise da realidade começava a ganhar a visão estruturada, sistêmica e complexa, de entender que uma nação é composta de inúmeros personagens e realidades, interagindo entre si, crescendo de maneira sistemática.
Enquanto os "especialistas" bizantinos discutiam máxis e mídis, inflação inercial e política monetária, a batalha de Itararé e a reunião de Carajás, como os sete cegos apalpando o elefante, a grande nação começava a se mover e, de centros não percebidos por nós, da mídia, brotavam flores de conhecimento, novos guerreiros, de início balbuciantes e trôpegos como recém-nascidos mas, em pouco tempo, lépidos e atuantes como jovens sonhadores.
Vieram os consultores gerenciais mostrando a importância da gestão, empresários modernos provando a eficácia da participação no lucro, os sindicalistas, que perseguiam resultados, os administradores, que teciam loas à descentralização administrativa e, por intermédio deles, a descoberta da funcionalidade do federalismo.
Na Constituinte, veio a bancada médica criando o SUS e a municipalista ferindo de morte o centralismo, os planejadores da Petrobrás e Eletrobrás ressuscitando a importância da administração de processos, os economistas e engenheiros do BNDES trazendo as sementes da nova política industrial.
Vieram os políticos inovadores. O Ceará descobriu a experiência, o Paraná, o planejamento, o Rio Grande do Sul, a qualidade, a Bahia, o rigor gerencial, Minas Gerais, a educação, os prefeitos petistas com seu modo de governar.
E veio 1990, o ano definitivo, desarmando todas as armadilhas como um tanque de guerra investindo sobre velhas fortificações. Não ficou pedra sobre pedra. Derrubaram-se os dogmas da política cambial, dos juros de curto prazo, das aplicações ao portador. Desarmou-se a armadilha dos preços com a abertura da economia, e a armadilha burocrática com a desregulamentação. Descobriu-se a qualidade como elemento central de competição, e desarmou-se, enfim, a crença no sebastianismo, com o impeachment de um presidente.
No rastro de 1990, vieram os inconformistas de todas as partes, das universidades, das repartições públicas, dos sindicatos, dos partidos políticos, insurgindo-se contra a velha ordem, querendo participar com a gana do jovem jogador selecionado, que não se conforma com o banco.
No âmbito da velha opinião pública persistia como fundamentais a discussão sobre a próxima âncora. Mas o conhecimento já se formara, de início em círculos restritos, aos poucos conquistando corações e mentes, derrubando as visões dualistas, acabando com a síndrome da última chance.
Hoje, os elementos para vencer a crise externa estão à mão. Já se sabe que a saída não está em nenhum gabinete de Brasília, em nenhum presidente da República, mas na capacidade de cada prefeitura e setor saber se mobilizar e se organizar, pelas próprias pernas, para a grande batalha do comércio exterior.
E, quando se olha o país desse ângulo, é como se aquela realidade chapada, linear, de anos atrás, ganhasse contornos e reentrâncias, volume e consistência. E, da pedra bruta, emergisse, finalmente, a nação.

E-mail: lnassif@uol.com.br

Texto Anterior: Substituição de importações volta a ter valor
Próximo Texto: Corte de incentivos depende da tributação sobre a renda fixa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.