São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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A lógica da liberdade

DA REDAÇÃO

"Especialmente importante é que a ciência também se faz com história e, sem esta, não se faz a evolução do pensamento científico"

Folha - O seu trabalho fez surgir uma escola no Brasil?
Eu nunca forcei ninguém a trabalhar em lógica paraconsistente. Aliás, o que se passava era exatamente o contrário. Para qualquer pessoa que se aproximava de mim, eu sempre dizia: "Olha, comece trabalhando com a lógica clássica, que é a mãe de todas, a matemática tradicional é essencial". E se alguém quisesse mesmo trabalhar com lógica paraconsistente, então eu ajudava. Mas jamais, em momento nenhum, induzi alguém a escolher a lógica paraconsistente, ou algum tema em que eu trabalho.
Formei um grupo de umas 30 pessoas aqui no Brasil e que hoje têm reputação internacional. E eu me orgulho mais dos meus discípulos do que da minha obra propriamente dita. Acho que o que me orgulha é ser um pescador de almas, de talentos, não só aqui no Brasil como no exterior.
Folha - O sr. concordaria com a afirmação de Bertrand Russell de que a lógica é a essência da filosofia da ciência?
Por outro lado, acho que deve haver alguma coisa além. Se bem que, no meu caso, cultivo uma parte da filosofia que praticamente pode ser resumida numa análise lógica. Mas não sou como Russell, nem como os neopositivistas, que dizem que o resto é totalmente sem sentido.
Ao contrário, quisera eu ter o dom e a inquietação para compreender essa outra contraparte também. Recentemente, algumas vezes, tenho sido criticado porque dizem que minhas análises filosóficas não são tão profundas como deveriam ser. Isso se deve talvez a uma limitação minha, pessoal ou intelectual. Mas, por outro lado, eu gosto da contraparte da lógica formal.
Folha - Uma das ferramentas de seu trabalho é a axiomatização, que consiste na formulação de princípios ou axiomas das teorias científicas. Quais são os limites da axiomatização e da formalização do estudo do pensamento científico, segundo a sua concepção?
Dou somente um exemplo: pouca gente percebe que as duas grandes teorias físicas do nosso século, a mecânica quântica e a relatividade geral, são logicamente incompatíveis. Então, de duas, uma: ou essas teorias vão sendo superadas por alguma teoria mais nova, ou vamos ter sempre de trabalhar com teorias inconsistentes. E em geral as pessoas não percebem isso.
Folha - Mas qual caminho deve ser adotado diante dessa incompatibilidade? Conviver com essa dualidade ou procurar uma unificação?
Folha - Mas ainda não ficou clara sua posição sobre em que medida essa análise lógico-matemática das teorias científicas pode ser realizada independentemente das condições socioculturais e sua descoberta?
Folha - Retomando a questão dos limites da axiomatização e da formalização, o sr. muitas vezes falou do seu interesse em ter uma formalização da dialética. O sr. continua achando isso possível?
Folha - Mas poderia dizer que o sr. teve uma mudança de posição sobre esse tema nas duas últimas décadas? Parece-me que há cerca de 20 anos o sr. era um pouco mais taxativo e achava que isso seria possível. Estou enganado?
Folha - O sr. já teve a curiosidade de estudar Hegel para tentar compreender a dialética?
Na Alemanha, em Munique, havia duas pessoas que entendiam muito de Hegel. Eu fui consultar um deles, que, aliás, tinha uma tese sobre o filósofo. Falei da lógica paraconsistente, disse que gostaria de aplicá-la à dialética de Hegel. Ele disse: "Ah! Que beleza! É disso mesmo que nós precisávamos".
Bem, poucos dias depois, eu conversei com outro professor, da mesma universidade, também especialista em Hegel. E ele disse: "Mas você está muito enganado. A contradição de Hegel não é contradição lógica. A lógica da dialética de Hegel é clássica". Desse momento em diante eu resolvi suspender o juízo. Não é possível que, na mesma cidade, na mesma universidade, dois especialistas em Hegel tenham idéias completamente diferentes a respeito dele.
Folha - No seu livro "O Conhecimento Científico" o sr. também ressalta a importância da dimensão pragmática da ciência. De que modo o pragmatismo clássico e o contemporâneo influíram na sua concepção de ciência?
Folha - No livro, o sr. desenvolve o conceito de quase-verdade na ciência. O que significa?
Folha - Como o sr. diz, se a meta da ciência é encontrar a verdade ou a quase-verdade, por que o estudo filosófico da racionalidade científica deveria envolver uma noção robusta ou rígida de verdade ou de quase-verdade? Por que não uma teoria "menos robusta", que eliminasse o conceito de verdade?
Por outro lado, completando o que acabei de dizer, acho que a tecnologia, por seu lado, com a bomba atômica, com a engenharia genética, com uma porção de outras coisas, mostra, na minha opinião, de uma maneira óbvia, que a ciência envolve algum tipo forte de verdade, nem que seja a verdade pragmática. A bomba atômica é o exemplo crucial disso, a navegação aérea, o radar, o sonar, o rádio, a televisão, toda a informática. Tudo isso mostra que a ciência acaba encontrando algum tipo de verdade.
Folha - O sr. consegue acompanhar atualmente o desenvolvimento da lógica paraconsistente?
Folha - Pela sua trajetória e formação, o sr. é uma pessoa muito diferente do corpo do departamento de filosofia da USP. Sua formação é muito diferente da formação eminentemente francesa, inclusive do departamento. Como é essa diferença? Como é conviver com isso?
Eu estava lecionando nos Estados Unidos quando fui convidado a ir para o departamento de filosofia. Eu diria o seguinte: uma das melhores coisas que eu fiz na minha vida foi ter ido para lá. Devia ter feito isso no começo da minha carreira, que provavelmente teria sido completamente diferente.
Folha - Como o sr. avalia o trabalho de alguns pensadores da atualidade, como o norte-americano Richard Rorty?
Folha - E pensadores como Jacques Derrida, Michel Foucault, Claude Lefort?
Folha - Além dos problemas da ciência, ela tem outras aplicações?
Folha - Por que em certos contextos científicos é conveniente o emprego de lógicas não-clássicas, como a lógica paraconsistente?

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