São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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Robôs paraconsistentes

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um robô programado com a lógica paraconsistente -que admite contradições- estaria mais próximo do jeito de pensar de um ser humano.
Uma pessoa consegue raciocinar e agir com base em informações contraditórias. Já um robô tradicional, acostumado com a lógica clássica, só "pensa" em termos de "sim" ou "não". Confrontado com uma contradição, ele trava.
O robô paraconsistente seria bem mais flexível que seu colega "caxias". Em vez de travar, ele poderia tomar atitudes adequadas, apesar de alimentado com dados contraditórios.
Jair Minoro Abe, professor da Escola Politécnica da USP e da Unip (Universidade Paulista), dá um bom exemplo da diferença. Um robô móvel pode ser equipado com vários sensores para facilitar seus deslocamentos. Ele pode ter um sensor visual, como um olho. E pode usar também um sonar, utilizando o eco de ondas sonoras para localizar objetos.
Um robô tradicional que estivesse diante de uma parede de vidro teria problemas. O sensor ótico não "enxergaria" o vidro e diria que ele pode passar. Já o sonar identificaria o objeto sólido, e diria que o caminho estava barrado. Diante dessas informações contraditórias, o robô travaria. "Com base na lógica paraconsistente, ele poderia tomar outras atitudes, como tentar contornar a parede", diz Abe, que foi discípulo de Newton da Costa e coordena a área de lógica e teoria da ciência do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Mas não é apenas o software do robô que seria paraconsistente. Um doutorando da Escola Politécnica, João Inácio da Silva Filho, está desenvolvendo circuitos elétricos que admitem sinais contraditórios, sem entrarem em curto.
"Com isso vai ser possível construir um robô totalmente paraconsistente, hardware e software, coisa impensável até uns anos atrás", diz Abe. O objetivo é criar máquinas mais confiáveis e precisas.
As aplicações da lógica paraconsistente podem ser bem variadas. "A lógica clássica trabalha com sentenças declarativas, é rígida", diz Abe. Ao permitir a manipulação de contradições, as chamadas "lógicas paraconsistentes anotadas" permitem uma grande flexibilização -por exemplo, fazer uma declaração acrescida de uma "anotação", como a probabilidade de um evento.
Uma aplicação típica é a medicina. Um paciente em estado grave pode receber diagnósticos bem variados feitos por vários especialistas. Cada especialista entra com um "banco de conhecimentos", e é normal que haja diferenças. Mas um computador comum não entenderia esse dado da realidade, pois ele só se baseia em respostas como "falso" ou "verdadeiro".
Abe e colegas desenvolveram um programa para reconhecer as contradições, que batizaram de ParaLog, corruptela do conhecido ProLog usado em trabalhos acadêmicos. O reconhecimento de padrões visuais é uma das áreas de aplicação com grande potencial -seja das diferentes imagens de uma radiografia, seja daquilo que é mostrado em uma tela de radar.
Uma aplicação militar da lógica paraconsistente se refere ao reconhecimento rápido e preciso de quem é amigo e de quem é inimigo. Cada vez mais a identificação é feita à distância eletronicamente.
Na Guerra do Golfo, soldados da coalizão anti-Iraque foram mortos mais por seus aliados do que por iraquianos, os chamados incidentes de "fogo amigável". Na origem desses episódios está sempre uma identificação errada, muitas vezes feita por um sistema automático, como mísseis antiaéreos.
Um dispositivo IFF (sigla em inglês para "identificação amigo-inimigo") só tem duas repostas possíveis -amigo ou inimigo. E o sistema de armas age cegamente.
Abe e seus colegas não trabalham com aplicações militares, mas desconfiam de que o silêncio de alguns pesquisadores da área no exterior tenha a ver com uma cooptação pela indústria bélica. Os brasileiros, que estão hoje na vanguarda dessa pesquisa no mundo, pensam em problemas civis.
"Uma outra aplicação que estudamos é o controle dos semáforos no trânsito", declara Abe. Neste caso, a lógica paraconsistente pode ajudar a salvar vidas, ao tentar entender as demandas contraditórias de um trânsito como o da cidade de São Paulo.

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