São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997 |
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O fim da era Roberto Marinho
NELSON DE SÁ
Entramos os dois por uma porta interna, sem passar por secretária, num caminho de segredo e soturno poder. (Foi depois de um almoço reservado que Serpa interrompia, aqui e ali, para cumprimentar personagens que estavam no restaurante, como Ernesto Geisel.) A relação não avançou, porque logo depois começava a campanha que Collor venceria, e em que eu questionaria a cobertura da Rede Globo, sobretudo a célebre edição do debate. Foi o tempo de maior poder de Roberto Marinho, do que pude presenciar. Era o fazedor de reis. Pois esse tempo acabou, segunda-feira passada. Mas demorou anos. No preciso instante em que eu dialogava com Jorge Serpa -o fascinante "assessor para assuntos aleatórios" de Roberto Marinho por três décadas- o presidente das Organizações Globo estava iniciando um processo de retirada que arrastou-se pelos oito anos seguintes. A sucessão se completou na semana passada, com o afastamento do último personagem da era anterior que mantinha acesso direto ao "dr. Roberto", José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Boni. Pela sequência, primeiro caiu Armando Nogueira, o diretor de jornalismo trocado por Alberico de Sousa Cruz, que já não era o candidato de Boni. Depois entrou Marluce Dias da Silva, contratada por Roberto Irineu Marinho, filho de Roberto Marinho. Uma executiva de administração e finanças, cujo primeiro grande projeto, há quatro anos, foi anunciado com uma frase muito significativa: "Dizer que em time que está ganhando não se mexe é deixar o time envelhecer, até que já não possa ganhar". Mais dois anos e Roberto Irineu Marinho assumia o comando direto do jornalismo da Globo. Roberto Marinho, aos poucos, foi saindo de cena -como a sua voz, Cid Moreira. No "Fantástico" de domingo passado, foi anunciada a primeira programação criada sem a interferência de Boni, o projeto dos 500 anos do descobrimento. E Boni também saiu. A era Roberto Marinho encerrou-se e a nova era leva o nome de Roberto Irineu Marinho. Ele não começou tão bem. Seus primeiros dois anos à frente do "Jornal Nacional", com Evandro Carlos de Andrade como diretor de jornalismo, coincidiram com uma queda de audiência para a casa dos 30 pontos. Despreocupou-se de Brasília, até hostilizou a política, e privilegiou serviços para a comunidade, atenção ao cotidiano dos brasileiros. Rejeitou a exploração de violência e sexo da concorrência. Mais importante, despreocupou-se -conscientemente- da audiência. Aliviou a imagem institucional da Rede Globo, mas perdeu a hegemonia de décadas. No projeto Brasil 500 Anos, outra referência maior da nova era, sobressaem a obsessão com o multiculturalismo, a cidadania, o ecumenismo. Tudo o que soe politicamente correto. Mas sem perder de vista, é claro, o sonho de integração nacional que criou a Rede Globo. Assim, o projeto Brasil 500 Anos "vai nos unir mais como nação", no dizer do "Fantástico". É o que prenuncia a era Roberto Irineu Marinho. Se é o bastante para sustentar audiência, é questionável. Mas Boni já avisou aos afoitos que a liderança da Globo não se perde tão cedo, qualquer que seja o caminho que adotar, sob nova direção. Próximo Texto: CARTAS Índice |
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