São Paulo, quinta-feira, 4 de dezembro de 1997
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FHC passa mal ao defender nova democracia radical

Mal-estar aconteceu durante entrega de título de doutor

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

O presidente Fernando Henrique Cardoso passou mal e foi obrigado a concluir sentado sua fala na LSE (London School of Economics), em que defendeu "radicalizar a democracia" como resposta aos desafios postos pelos tempos modernos.
FHC recebeu o título de doutor "honoris causa" na área de ciências econômicas. A LSE é uma instituição centenária (102 anos exatamente) e um dos mais importantes centros mundiais no campo das ciências sociais.
FHC falava havia 15 minutos, quando, às 11h20 (9h20 em Brasília), disse que se sentia mal, pediu um copo d'água, retirou o capelo (espécie de chapéu usado por doutores em certas solenidades) e sentou para continuar sua aula sobre "Desafios Atuais à Democracia".
O presidente culpou o calor na sala pelo mal-estar e ainda brincou com Anthony Giddens, diretor da escola: "Não estou acostumado a temperaturas quentes."
Depois, reclamou do capelo. "Não foi feito para a minha cabeça e era muito apertado", queixou-se o presidente. A uma repórter que parecia duvidar de explicação tão simples para o mal-estar, FHC respondeu: "Você já usou chapéu de doutor? Use e você vai ver."
FHC deixou a sala ainda pálido e com o passo ligeiramente trôpego, mas, no coquetel servido em seguida, já estava recuperado.
O presidente repetiu, na essência, o discurso que vem fazendo a respeito da democracia, primeiro na Sorbonne (França) e depois na Universidade de Bolonha (Itália).
Um discurso que parece um teorema. Começa pela constatação de que os partidos políticos encontram dificuldades para acompanhar "as demandas de representação geradas no contexto de fragmentação temática que caracteriza a vida política contemporânea".
Continua com o fato de que as dificuldades orçamentárias dos Estados criam "novos limites para o esforço de inclusão social, para a construção daquela soma inteligente de democracia formal e democracia substantiva que já foi o programa da social-democracia européia".
Passa, ainda, pela globalização: "Vários dos temas que afetam o dia-a-dia das populações envolvem fatores transnacionais."
E termina, pelo menos no caso da América Latina, por uma "certa nostalgia do autoritarismo, que, ainda que não se pregue a sua volta, tende a manifestar impaciência com o processo de diálogo e negociação próprio da democracia".
Neste ponto, FHC saiu do texto escrito para dizer que uma das situações "mais chocantes" que enfrentou uma vez no poder foi a solicitação "não para ser autoritário, mas para ser mais rápido e direto na solução dos problemas".
"Como se fosse possível um regime democrático não levar em conta os diferentes interesses da sociedade", completou.
Feito o diagnóstico dos desafios à democracia, FHC deu a sua receita: "A resposta não está em menos, mas em mais democracia."
Explicitou depois: "Radicalizar a democracia significa dar condições efetivas de liberdade para que todos, mesmo os que não estão organizados, falem."
O presidente afirmou ainda que só essa "democracia radicalmente pluralista, cada vez mais democrática, vai resolver o problema da exclusão, inclusive porque não há outro caminho".
Menos sociólogo e mais governante, FHC defendeu que seja repensado o papel de instituições internacionais criadas após a 2ª Guerra (como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial).
Engatou na sutil defesa da reivindicação brasileira de um lugar no Conselho de Segurança, o coração da ONU: disse que é preciso igualmente repensar "a composição e as formas de atuação do Conselho, de modo a assegurar que ele tenha a legitimidade indispensável".
Por fim, voltou a negar o rótulo de conservador que a oposição lhe atribui: "Defender que o simplismo das dicotomias tradicionais entre esquerda e direita, operários e capitalistas, deve ser substituído pelo reconhecimento da complexidade de nossas sociedades não significa ser conservador."

LEIA MAIS sobre a visita de FHC ao Reino Unido nas págs. 1-5 e 1-6

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