São Paulo, quinta-feira, 4 de dezembro de 1997
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Médico defende, mas não faz aborto legal

Profissionais temem ser chamados de 'aborteiros'

BETINA BERNARDES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Embora a quase totalidade dos médicos concorde que o aborto é admissível em caso de estupro, a maioria não quer realizá-lo para não ser chamado de aborteiro.
É o que dizem os ginecologistas Rosires Pereira de Andrade, 50, professor titular de reprodução humana do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná, e Jorge Andalaft, 46, presidente da Comissão Nacional de Interrupção Legal da Gestação, ligada à Febrasgo (Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia).
Essa foi uma das principais discussões do 2º Fórum Interprofissional para Implementação do Atendimento ao Aborto Previsto por Lei, realizado em Brasília.
Será levado ao plenário da Câmara amanhã recurso para que seja votado no plenário o projeto de lei que obriga os hospitais públicos a atenderem os casos de aborto permitidos pelo Código Penal (estupro e risco de vida da mulher).
"Há uma cultura nacional de que ou você é um médico sério ou é um aborteiro. A questão do aborto legal não parece interferir muito nisso", diz Andrade.
Como exemplo, o ginecologista cita o caso de um médico que atenda em seu consultório particular uma paciente grávida de estupro. "Mesmo a favor do aborto nessa situação, ele não faz, encaminha a paciente para um profissional que faça. É uma hipocrisia."
O professor afirma que deve haver um consenso na universidade e nos hospitais sobre o assunto.
"Em Curitiba, não há serviço que faça a interrupção legal. O projeto é importante por isso. É preciso levantar a questão do direito de a mulher pobre ter acesso a um serviço, porque as ricas pagam e fazem aborto", diz.
Para o presidente da Comissão Nacional de Interrupção Legal da Gestação, é preciso uma equipe organizada para esse serviço.
"O ginecologista não quer fazer o aborto mesmo que a gravidez seja resultado de estupro. Prefere fazer um parto difícil. Se o projeto for aprovado, o médico se sentirá legalmente mais amparado", diz Andalaft, responsável pelo programa do Hospital do Jabaquara, em São Paulo.
Para Aníbal Faúndes, professor titular de obstetrícia da Unicamp, o projeto dará apoio legal, "mas nada ocorrerá enquanto não houver nos hospitais uma discussão interna e preparação das pessoas".

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