São Paulo, sexta-feira, 5 de dezembro de 1997
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Proer japonês

MAILSON DA NÓBREGA

Em meio às incertezas da semana passada, o ministro da Fazenda e o presidente do banco central do Japão afirmaram que nenhum grande banco japonês quebraria.
Não havia saída depois da quebra da corretora Yamaichi, cujo rombo atingiu US$ 23 bilhões, mais do que todo o custo do Proer no Brasil (cerca de US$ 21 bilhões).
O que teria feito funcionar a todo vapor um governo tradicionalmente lento, que levou anos em dúvida sobre o que fazer nessa área? Por certo, foi a ameaça de colapso do sistema financeiro. Como se diz por aqui, a necessidade faz o sapo saltar na água.
Fora do Japão, já se enxergava o país transformando-se no epicentro de um terremoto, capaz de espalhar-se na economia mundial com a velocidade do raio.
Temia-se que os japoneses liquidassem seus imensos ativos no exterior. Calcula-se que nos últimos 12 anos eles teriam comprado cerca de US$ 1,3 trilhão de títulos públicos e privados, especialmente nos EUA.
Nessa hipótese, os juros subiriam nos EUA, as Bolsas cairiam dramaticamente em todo o mundo e a liquidez internacional se estreitaria. Países como o Brasil seriam obrigados a desastrosos ajustes em suas taxas de câmbio.
Eram, felizmente, temores exagerados. Quem precisasse resgatar esses papéis buscava na verdade liquidez em ienes. Bastaria o banco central oferecê-los, recebendo em garantia aqueles ativos, em proverbiais acordos de recompra.
Certamente, as autoridades japonesas não agiram apenas por conta desses temores. Foi algo mais. Nenhum governo pode hesitar diante da ameaça de uma crise sistêmica que ponha em risco a estabilidade do sistema financeiro do país.
A explicação é simples. O colapso do sistema financeiro levaria junto os mecanismos de pagamentos, sem os quais nenhuma economia poderia funcionar. Ninguém pagaria ninguém.
Seria impossível imaginar uma situação em que as empresas e os indivíduos ficassem sem dinheiro, talão de cheques, cartões de crédito, meios de aplicação de suas poupanças ou instrumentos de obtenção de recursos para capital de giro e investimento.
A consequência da paralisação do sistema de pagamentos da economia seria a desorganização econômica, social e política do país. Mesmo os governos que demoram a decidir nesse campo são forçados a fazê-lo diante da iminência do desastre.
Não é a primeira vez que o governo japonês socorrerá o seu sistema financeiro, nem se trata de caso isolado entre os países desenvolvidos. França, Itália, os países escandinavos e os EUA implementaram programas semelhantes nos últimos anos.
O Japão vai, a rigor, seguir recomendação de três semanas atrás, feita pela revista "The Economist", a qual invocou o exemplo da América Latina para sugerir aos países asiáticos um corajoso ajuste em seus sistemas financeiros.
Seis países latino-americanos implementaram recentemente programas de ajuste: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Venezuela. Por isso, seus sistemas financeiros estão hoje muito mais sólidos do que os asiáticos.
O programa brasileiro (o Proer) foi o mais barato: menos de 3% do PIB, comparado ao custo dos demais: 13% na Argentina, 19,6% no Chile, 6% na Colômbia, 12% no México e 13% na Venezuela.
Ainda não se sabe o tamanho do "Proer" japonês, mas a impressão é que será gigantesco. Seu sistema financeiro acumula perdas e problemas desde o início da década.
A crise atual mostrou o acerto da criação e implementação do Proer, mesmo diante das incompreensões que o governo brasileiro enfrentou, como a da crítica fácil (e errada) de que "tinha dinheiro para salvar banqueiros, mas não para programas sociais".
Viu-se também que a crise teve origem na percepção da fragilidade do sistema financeiro tailandês e, a partir daí, na incapacidade do governo de defender a moeda de um ataque especulativo.
A transmissão da crise a outros países -Indonésia, Malásia, Filipinas e finalmente Coréia- foi em grande parte resultante da interpenetração de suas economias e da constatação de que seus sistemas financeiros padeciam de idênticos problemas.
Parece não haver dúvida de que os efeitos da crise sobre o Brasil poderiam ter sido fatais para a estabilidade da moeda caso o nosso sistema financeiro não tivesse passado por um grande ajuste em 1995 e 1996, sob os auspícios do Proer. Bendito Proer.

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