São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 1997
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Problemas do projeto de reforma tributária

MAILSON DA NÓBREGA

Como se recorda, o governo federal anunciou em setembro passado sua intenção de propor uma ampla reforma na tributação do consumo e das transações financeiras.
O projeto não tocaria na tributação da renda e do patrimônio, áreas nas quais inexistem problemas sérios. Ao contrário, no Imposto de Renda, houve avanços recentes, que nos colocam na vanguarda do tema.
As idéias, apresentadas pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, são a meu ver excelentes. Em artigo nesta coluna (26/9/97) destaquei 12 das principais vantagens da proposta.
Tenho visto mais apoios do que críticas. Houve aplausos da CNI e da Fiesp, que identificaram no projeto suas próprias idéias de reforma tributária. Do lado das críticas, há objeções respeitáveis e condenações simplistas.
A crítica fácil é a que enxerga na extinção do ICMS, de competência estadual, e na sua substituição pelo Imposto sobre o Valor Agregado - IVA, arrecadado pelo governo federal, uma ameaça à Federação.
Ambos são modalidades de tributação sobre o valor agregado. O Brasil é o único caso em que esse tipo de tributo é cobrado por governos subnacionais. Em duas federações importantes, a Alemanha e o Canadá, o IVA é cobrado pelo governo central.
Vejamos as críticas sérias. A primeira é quanto ao "excise tax", um imposto específico que incidiria uma única vez sobre bens e serviços de difícil sonegação, como fumo, bebidas e combustíveis e que seria cobrado pelos Estados.
Diz-se, com razão, que o certo seria o "excise" ser cobrado pela União, com receita partilhada pelos Estados. A cobrança pelos Estados poderia criar problemas sérios para esses setores. Onde existe, esse imposto é arrecadado pelo governo central.
Outra objeção respeitável é quanto à necessidade de salvaguardas de que a União não utilizará o imposto com objetivos de política econômica, principalmente isenções totais ou parciais, diretamente ou via redução de base de cálculo.
Se a alíquota do IVA for única, como alguns interpretam, não procedem os temores. A União não poderia alterá-la em favor de produtos ou regiões. Se não for única, então haverá margem para elevado grau de interferência na receita do imposto.
É preciso uma boa discussão sobre esse ponto. O IVA será o principal tributo da União e, portanto, a fonte básica de partilha com Estados e municípios. Se o projeto não tiver resposta convincente sobre o tema, enfrentará sérias resistências.
Há que encontrar substituto eficiente para os atuais incentivos do ICMS nas regiões menos desenvolvidas e preservar direitos. Os Estados dessas regiões podem ser contrários à proposta e sem eles o projeto dificilmente será aprovado.
Diz-se também que a União não tem experiência na administração de um IVA sobre todos os bens e serviços, o que é verdade. Uma coisa é administrar o IPI (incidente apenas na indústria) e outra é gerir um tributo com a abrangência do IVA.
O problema não poderia, contudo, ser a razão para desistir do projeto. Poder-se-ia, no início, aproveitar, sob convênio, a atual estrutura de fiscalização do ICMS.
Do mesmo modo, os governos estaduais teriam que se preparar para administrar um tributo na ponta do consumo, muito mais trabalhoso do que o ICMS.
A alternativa seria, por um tempo, a substituição tributária, embora seja mais complicado do que no caso do ICMS. A indústria, peça importante na substituição tributária, não será contribuinte do IVV.
Aprender será uma questão de tempo. Nos EUA e no Canadá, países que também possuem extensos territórios e maior diversificação de atividades, os Estados tributam o consumo final. Há como trocar experiências.
O embrião de um amplo processo de colaboração entre a União e os governos subnacionais está no atual pacote fiscal (medida provisória 1.602), que torna obrigatório o uso do cupom fiscal, o qual pode vir a ser usado também por Estados e municípios.
Uma área que exigirá complexas e demoradas negociações será a da definição de competências e da partilha de recursos entre as três esferas de governo.
Como se vê, não vai ser fácil dar a forma final ao projeto, muito menos obter sua rápida aprovação.
Os obstáculos não podem retardar nem inviabilizar o projeto. O país precisa modernizar urgentemente sua obsoleta tributação do consumo e eliminar a inédita cunha fiscal nos juros. Sem isso, será difícil consolidar o Plano Real.

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