São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Scolari diz preferir Europa à seleção

ALEXANDRE GIMENEZ
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE

ALEXANDRE GIMENEZ; JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em entrevista, técnico do Palmeiras justifica o papel de "sargentão" e reclama das churrascarias de São Paulo

Gaúcho, grosso e mal-humorado. Luiz Felipe Scolari, 49, técnico do Palmeiras desde junho deste ano, não se preocupa com a imagem estereotipada criada em torno dele.
Berrar, xingar e gesticular à beira do campo, para Scolari, faz parte do trabalho. E, queira ou não, tudo isso parece dar resultado.
Às vésperas de sua segunda final consecutiva de Brasileiro, foi campeão com o Grêmio em 1996, Scolari faz questão de ser simples.
Ao afirmar, em entrevista à Folha, que deseja apenas alcançar o sucesso em algum time europeu, fala como um cidadão comum, pensando apenas no conforto da família, no futuro dos filhos.
O status de comandar a seleção, por exemplo, não o seduz. É coisa para profissionais mais políticos. Afinal, "a CBF é no Rio".
*
Folha - Você está próximo de mais um título. Depois disso, a seleção brasileira é o objetivo?
Scolari - Não quero o lugar do Zagallo. Tem tanto time bom para trabalhar. Já imaginou eu numa seleção? Você me conhece.
Folha - Você não é suficientemente político para o cargo?
Scolari - Não. Preciso trabalhar com pessoas de minha confiança, e elas são do Sul. Algumas do Palmeiras. E onde é a CBF? No Rio. O presidente, o diretor, o médico, todos são cariocas.
Não existe clima para mim lá. Não vou ficar como um estranho no ninho. Por isso, não sonho. Não penso em chegar lá.
Folha - Então, qual é o seu maior objetivo profissional?
Scolari - Meu sonho é trabalhar na Europa, não só por mim, mas pela minha família. Para viajar, meus filhos terem cultura melhor, conhecerem mais lugares.
Já tive convite do Sporting (Portugal) e do La Coruña (Espanha). Mas estava com contrato em pleno andamento.
Folha - Você é considerado, ao mesmo tempo, um treinador exigente e amigo dos jogadores. Como é conciliar as duas facetas?
Scolari - Na hora do trabalho, a exigência é total. Se não cobrar, exigir e mostrar o que não está certo, não adianta amizade. Só na amizade não vou conseguir ganhar. Exijo o máximo dos atletas em todos os itens. Profissionalismo, disciplina, organização, seriedade. Terminou o treino ou jogo, acabou. Vou para o vestiário ou para a concentração e viro um companheiro deles.
Brinco, conto piada, recebo as brincadeiras e até faço alguma sacanagem. Mas participo meio de lado. Mando um outro fazer (ri).
Folha - Como é a sua relação com a imprensa paulista?
Scolari - Acho que fui muito autêntico desde o começo e continuo assim. Cheguei de cara limpa.
Não sei se não gostam da minha autenticidade. Se você é cara limpa e recebe alguma traição, claro que sobe o sangue, principalmente em mim, que sou esquentadinho.
O que eu tenho a dizer, eu digo. Mas a imprensa de São Paulo não se une para defender o Estado.
Folha - Você se irrita quando o chamam de grosso, gaúcho de colônia ou de sargentão?
Scolari - Eu nasci numa colônia, perto de Passo Fundo. Quando estou em Caxias do Sul, vou para a colônia. O pessoal é simples, humilde. Você come bem, se sente bem, não precisa estar vestido solenemente. A amizade impera. É muito mais sinceridade.
Sobre ser sargentão, eu só dou risada. Lá dentro de campo eu comando, é meu trabalho.
Folha - Mas você se considera uma pessoa grossa, mal-educada?
Scolari - Às vezes sou mais áspero que o normal. Não sei se isso é ser grosso ou não. Mas, se tiver que dizer uma bandalheira ou tomar atitude mais forte, não deixo para depois. É na hora. Terminou, eu termino também. Acho que é virtude. Passo isso para meus filhos.
Folha - Mas você alimenta um pouco isso. Por exemplo, ignorar os jornalistas ao final do treino...
Scolari - Não tenho que passar e perguntar se querem falar comigo. Não posso chegar e falar: 'Ei gente, estou aqui'. Isso é coisa de marqueteiro. Detesto técnico que faz figura, que cria imagem de bonzinho. Mas é puxa-saco de imprensa, vaselina, anda com os caras dos jornais, convida para jantar e coisas desse tipo.
Folha - É difícil morar em São Paulo? Você gosta?
Scolari - Para mim, não. Em Porto Alegre, saia do treino e ia direto para minha casa. Ficava lá. Aqui é a mesma coisa.
Quando muito saio para para tomar um chope com o Paulo Paixão (preparador físico do Palmeiras) e o Mortosa (Flávio Teixeira, auxiliar-técnico do time). Moro perto do Palmeiras. Não saio à noite de carro. Pego táxi. Os caras do ponto da esquina da minha casa me conhecem. Pago por mês.
Folha - Como é a sua vida social?
Scolari - Tenho vida regrada.
Não sou muito de sair. Nem a minha mulher. Os caras do futebol gostam de muita festa, mas eu não. Prefiro comer em casa, ficar com meus guris. Também convido meus amigos para jantarem em casa. O Paulo Paixão eu convido pouco, pois ele come demais. Dá prejuízo (ri).
Também tenho dois filhos, que brigam muito. Se deixar os dois sozinhos em casa, não sei o que vou encontrar quando voltar.
Folha - O churrasco feito em São Paulo agrada?
Scolari - É muito bom, mas é diferente. Não é o gaúcho.
As churrascarias daqui são maravilhosas. Mas têm camarão, peixe, sushi, 45 tipo de saladas, cebola frita etc. O nosso churrasco é costela, picanha, pão, salada verde e tomate. Só isso. Aqui você nem come o churrasco direito.
Quando fomos para Campo Limpo Paulista, fiz um churrasco. Fui até um açougue e pedi determinados cortes da carne. Fizemos no nosso estilo. Os jogadores adoraram. Comeram feito índios.
Folha - É difícil achar em São Paulo chá-mate para chimarrão?
Scolari - Não. Mas, de qualquer maneira, os caras do Sul mandam para mim. Além do mate, recebo vinho e carne de meus amigos.
Folha - O que você acha da neurolinguística e da psicologia aplicadas ao futebol?
Scolari - Já li alguma coisa da neurolinguística. Dizem que algumas palavras que usamos normalmente deveriam ser ditas de outras formas, nos momentos certos.
Uso na medida do possível.
Folha - Mas aquele outro tipo de palavra funciona mais, não?
Scolari - Durante o jogo, a gente acaba esquecendo. Psicólogo é importante, mas no início do ano, para fazer perfil dos atletas.
Folha - Você tem pessoas que lhe informam as atividades dos jogadores fora do clube?
Scolari - Tenho amigos que passam para mim o que eles vêem. Se alguns estão exagerando, posso antecipar a concentração do jogo de domingo para sexta-feira.
Ponho no retiro, só sai para comer. Você vai ver se ele não recupera. Mas dá para perceber quando o cara aprontou. Se o jogador ultrapassa o limite, te olha de lado. Quando isso acontece, você fica com a faca e o queijo na mão.
Folha - Você se espantou com o rápido sucesso do Palmeiras?
Scolari - Não. Temos bons jogadores. A nossa equipe é tecnicamente boa, mas só se valia dessa qualidade. Não existia um ambiente que permitia dizer que tínhamos um grupo bom.
Folha - O que faltava?
Scolari - Tínhamos problemas de concentração, no departamento médico e de disciplina.
Os três primeiros meses foram gastos na adaptação dos jogadores que chegaram e na imposição do meu método de trabalho. Insistimos e cobramos muito.
Folha - Como os atletas tomaram conhecimento dos problemas?
Scolari - Com os resultados. Muitos times de menor qualidade técnica ficaram à nossa frente em boa parte da fase de classificação.
Aos pouquinhos fomos mostrando aos atletas essa situação. Nós, cheios de recurso, perdendo para clubes que não pagavam em dia. Não para motivar, mas para mostrar que tínhamos condições que muitos não tinham.
Folha - Qual foi o momento da virada da equipe?
Scolari - Quando ficamos três ou quatro jogos com 28 pontos. Foi um choque e o último grande atrito com os jogadores. Tive a manifestação mais forte. Foram os termos mais duros que usei dentro do Palmeiras. Ou ia degringolar de vez ou iríamos acertar.
Folha - Como os jogadores reagiram ao ultimato?
Scolari - A maioria entendeu que precisava haver mudança. Todos tiveram uma participação. Claro, sempre existem os que vacilam e as indecisões.
Folha - O atacante Viola foi seu maior problema?
Scolari - Ele teve um problema de disciplina. Para mim, a disciplina é um quesito fundamental. Além dele, nosso grupo teve outras situações.
Manipulamos, advertimos e multamos quando necessário. Isso não é colégio de freiras. Algumas coisas podemos deixar de lado, outras, não.

LEIA MAIS sobre a decisão do Brasileiro à pág. 3-17

Texto Anterior: O que ver na TV
Próximo Texto: 'ELES' POR SCOLARI
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.